sábado, 18 de setembro de 2010

CIDADE-PRESÉPIO

Em curto espaço de tempo tratei dela em 3 posts contando este que será o último (por enquanto). Gosto dela, isso (Freud explica).

É cantada em verso e prosa pelos habitantes como “cidade-presépio”. Se não me engano, tem algo relacionado com a posição geográfica em colina, mas, sinceramente, não sei nada além disso.

Soube que estão tentando reformar igrejas e capelas da cidade e, para isso, começaram a fazer campanha. Uma delas é com a padroeira peregrinando nas capitais e cidades vizinhas em busca de recursos. Penso que depois os sacerdotes deverão pedir que sejam generosas as esmolas nas celebrações dominicais (não é comum fiel católico pagar dízimo e dar ofertas como a da viúva do livro de Marcos 12,41-44), contatar o IPHAN e assim por diante. Quanto tempo vai levar isso?

Que tal agora uma viagem onírica para tentar agilizar o processo? Vamos? Aperta o cinto.

Se não neste, no próximo Natal, na parte mais estreita do maior rio do mundo, o primeiro e único presépio indígena do planeta!

Sente o clima...

Em tamanho natural, uma oca ou uma típica palafita da Amazônia, de tábua e palha, porém bem construída, inserida em uma paisagem criada artificialmente e ornamentada com árvores, plantas, flores e animais da floresta. Dentro, imagens indígenas e de animais em tamanho natural.

Sei, sei, a horda “politicamente correta” vai estrilar: “Blasfêmia e ofensa à cultura indígena!" Calma... vamos adiante... deixa eu terminar.

Maria, uma bela índia virgem de 15 anos - idade que tinha na época segundo os estudiosos - talvez não possa estar de tanga na cena, pois poderá causar desconforto a algum visitante, além de tornar ainda mais difícil e cruel a castidade do tapuio S. José. O bom senso recomenda que ambos estejam cobertos por um manto de juta, pena ou o que seja, ao lado da manjedoura e do curumim sagrado.

Estrela na fachada, boi, cavalo, carneiros, bodes e, no lugar dos pastores, caboclos vindos da floresta andando ou remando em fictícios igarapés. O Espírito Santo seria uma arara-azul e os reis magos, pajés. Os presentes. Ouro, a floresta tem. Incenso, também. Mirra, mirra... o pajé criou. Estão todos? Não. Falta um. Mas primeiro falemos de “blasfêmia e cultura indígena”.

Temos Maria branca e negra. Algum problema em ter Maria índia? Ah! A cultura indígena...

A oposição (que um político que conheci dizia ser formada de “tupamaros”) vai argumentar que os índios adoram o sol e foram massacrados pelos jesuítas e aculturados pelo Frei Bento, na aldeia dos Tiriós.

Crianças... Javé, Jesus, Sol, Buda, Maomé, Alá e todas as demais entidades místicas são a síntese de um único pensamento humano: “Se existe um relógio, existe um relojoeiro”. Eu adaptei assim: “Se existe uma orquestra harmoniosa e afinada, existe um Maestro. Basta com as divisões. É a esse Maestro Universal - que cada um que acredita chama como prefere - que o presépio rende homenagem. Importante é o resumo dos mandamentos: “Amar o próximo como a si mesmo”. Difícil. Uma paulada na moleira, mas esse deve ser o objetivo humano para fazer deste mundo um reino de paz. E foi esse amor ao próximo que fez o Frei Bento deixar o conforto da Alemanha e dedicar aos índios uma inteira vida na floresta. Agora que ficou velho e foi embora, até onde eu sei, não deixou nenhuma criança traumatizada nem muito menos loira, de olhos azuis e apreciadora de boa cerveja. Mas dessa grande maioria anônima de santos vivos que fazem a Igreja ninguém fala. O espaço da mídia é reservado para a minoria pecadora.

Eu sugiro, então, acrescentar a imagem do Frei Bento, de batina e sandálias franciscanas, caminhando na floresta em direção ao presépio. Seria uma singela homenagem a esse Sacerdote. Em outros tempos poderia segurar a mão de uma cunhantã, mas, considerando o cenário atual, talvez seja melhor ele caminhar sozinho.

- Qual a conexão desse presépio com a reforma das igrejas? - Turismo. Verba. Dinheiro!!!

Tupamaros: - Exploração da e da miséria do povo! - Não, queridos... turista não é pobre nem miserável. É turista!

Alguém consegue imaginar quantas moedinhas são lançadas por dia na Fontana di Trevi em Roma e o destino delas? Milhares! São recolhidas e enviadas para a Caritas Diocesana que transforma migalhas em um banquete de qualidade servido diária e gratuitamente para os imigrantes e clandestinos (maioria muçulmana) da cidade. Pouca gente sabe disso, mas é absoluta verdade. Os fins justificam os meios.

Minha irmã jogando moedinha na Fontana di Trevi para voltar a Roma.
Se divertiu com a tradição, mas a intenção principal estava no coração.

O presépio da “cidade-presépio” deverá ser visto de longe, do meio do rio, iluminado de noite por tochas e lamparinas, tendo já um céu natural com as 3 marias e Cruzeiro do Sul. Para chegar poderiam ser oferecidas duas vias de acesso: uma com as estações da via crucis (marcadas, sinalizadas, porém, sem gravuras, para não complicar o conceito indígena) para quem quisesse fazer a tal peregrinação e outra por estrada, de carro.

Deve contar com adequados e seguros recipientes para as moedinhas, ofertas e pedidos de graça. Os nativos da região poderiam oferecer frutas e animais para leilão. Depois de reformadas as igrejas e capelas, a renda do presépio seria aplicada de forma responsável em comunidades carentes e indígenas.

Para ser um local que atraia visitas, tudo dever ser realmente bonito e harmonioso. Será preciso encontrar um Michelangelo tupiniquim para esculpir em barro as imagens. Nada talhado a machado. Devem ser perfeitas! Creio que não precise explicar a diferença entre imagem e ídolo de barro.

No mercadinho do meu outro post, seriam vendidas miniaturas do presépio, camisetas com foto e todo tipo de souvenir  da cidade que conseguirem imaginar e criar.

- Problema. O Natal é uma vez por ano. – É, mas a cidade é presépio o ano inteiro. - E quem quer saber de presépio nos outros meses? - Quem tem algum pedido ou graça para alcançar, ou seja, uma romaria! – E quanto custaria construir isso? – Pouco. Palha, madeira, barro, cimento, um arquiteto, um paisagista, um escultor... o que mais? Basta diminuir o número de carnavais no ano, mantendo, incentivando e divulgando aquele que realmente representa a cidade, ou seja, do mascarado Fobó (outra potencial fonte de renda), que o dinheiro aparece. Foi mal? Corrige.

- A cidade espera descobrir uma mina de ouro... - Mas ela está , no nariz de todos! Desce e sobe o rio todo santo dia. É só jogar a rede de pescar navio e garimpar!

- Parintins faz.

- Pois é. Tem que ter cuidado com o nome que a Santa vai ganhar do povo. Acho que Nossa Senhora dos Pauxis soa... digamos... estranho. Talvez ficasse melhor Nossa Senhora dos Tapuios. Sim, gostei! Como todas as outras, esta também filha da querida padroeira da cidade-presépio, Sant'Ana. A Sagrada Família: N. S. Tapuia, S. José Tapuio e Curumim Jesus.

Termina aqui nossa viagem. Pode soltar o cinto. Fiquei feliz pela tua companhia nesse louco trajeto onírico. Valeu!

Desenho: Kanton
Técnica: traço nanquim & photoshop

Neste link, presépios peruanos.

Nota: Acredite quem quiser, a ilustração final e o link foram encontrados e acrescentados ao blog no dia 24/09/10, muito depois de escrito e publicado o texto, pesquisando o tema na Internet. Incrível mesmo foi a presença da arara-azul no cenário. Será ela a fonte de inspiração? Amém.

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