quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

SORTE DOS GRINGOS

João Carlos Martins, Arnaldo Cohen, Nelson Freire, para citar apenas 3 brasileiros vivos e pianistas de fama internacional. É preciso ler a biografia dessas pessoas para entender a grandeza de cada um, os prêmios recebidos, concursos vencidos, as salas de concerto que frequentam como artistas etc.

A Revista Brasileiros, Edição 21, Abril/2009 tem na capa João Carlos Martins. Vou pinçar e comentar aqui alguns trechos interessantes da entrevista.

A SAGA DAS MÃOS
Vida de João Carlos Martins será filme de Hollywood
Muitas pessoas dizem "minha vida dá um filme". A de João Carlos dá, sem dúvida. O curioso é que nenhum produtor ou cineasta brasileiro tenha se interessado por ela até agora.

Já foi realizado um documentário alemão, mas nunca um filme de ficção. Embora Hollywood jamais tenha produzido filme sobre um pianista vivo, ainda mais não-americano, um dos mais importantes músicos americanos de todos os tempos, o lendário Dave Brubeck acha que a vida de João Carlos Martins merece Hollywood e vice-versa. Ele, que está com 89 anos e vai se apresentar no fim do ano ao lado de João Carlos na Sala São Paulo, escreveu uma carta, em 14 de outubro de 2008, a um amigo, o ator e diretor Clint Eastwood, recomendando a transformação em filme da biografia A Saga das Mãos.

Dave, que é amigo de João Carlos há 40 anos, apresenta-o como "o maior pianista brasileiro, que no auge da carreira foi considerado comparável a Glenn Gould por suas ímpares interpretações de Bach". Define ainda João Carlos como "uma personalidade maior-que-a-vida", cuja trajetória humana e musical tem todos os ingredientes de um bom drama cinematográfico. Não se sabe se Clint vai aceitar a empreitada, mas há outros dois ou três diretores cogitados, todos do primeiro time. Com seu inabalável e saudável otimismo, João Carlos garante: "O filme vai sair!"

É duro ver João Carlos Martins passar do Carnegie Hall para o auditório do Faustão. Eu diria mesmo... patético. Mas aconteceu.

Ele teve um momento complicado quando se envolveu com Paulo Maluf. Mais triste ainda é saber o que motivou tudo isso. Ele conta na entrevista. É racional um país pagar milhões de dólares a jogadores de futebol analfabetos enquanto artistas como esses precisam esmolar 4.000 dólares a políticos?

Brasileiros - Como entra o Paulo Maluf nesta história?
J.C.M. - Em 1980, eu não o conhecia. Arthur Moreira Lima me telefona de Israel e fala:
- João, eu me separei agora e vou continuar minha carreira no exterior. Mas eu preciso ter um emprego fixo. Dizem que o cara que assumiu o governo aí, o Maluf, toca piano, João. Será que você arrumava pra mim...
Eu perguntei de quanto ele precisava por mês. Quatro mil dólares, ele me disse. O Arthur falou que poderia fazer programas para a TV Cultura e apresentar-se em cidades do interior para justificar o salário. Eu respondi pra ele que ia procurar o cara. Telefonei e avisei que eu queria falar com o Paulo Maluf. Meia hora depois, me telefona a secretária: "Doutor Paulo mandou marcar hora com o senhor". E lá fui eu.
- Governador, eu estou aqui numa missão por causa de um amigo meu. Quero lhe avisar de antemão que esse meu amigo é esquerda brava.
Contei a história do Arthur e ele falou para o assessor: "Conheço muito este Arthur. Pode contratá-lo". Eu falei: "Em nome do Arthur eu agradeço". Aí eu fui saindo e, quando cheguei na porta, arrisquei: "Governador, não dá pra arrumar essa boca pra mim também?". E eu fiquei os quatro anos do governo dele na TV Cultura.

Dá pra acreditar? Bem, melhor ler a entrevista completa. É uma leitura difícil de interromper, pois o cara é mesmo fenomenal e a vida um filme emocionante.

Arnaldo Cohen. Tive a honra e o privilégio de fazer “master class” com ele pela Funarte nos meus tempos como aluno do Conservatório Carlos Gomes. Aqui vai um pouquinho da biografia deste brasileiro.

Após viver mais de vinte anos em Londres, Cohen transferiu-se para os Estados Unidos em 2004, tornando-se assim o primeiro músico brasileiro a assumir uma cátedra vitalícia na Escola de Música da Universidade de Indiana. Na Inglaterra, Cohen lecionou na Royal Academy of Music e no Royal Northern College of Music, onde recebeu o título de Fellow Honoris Causa. Foi condecorado pelo governo brasileiro com a Ordem do Rio Branco por seus servicos prestados ao país na área cultural.

Além de grande músico, é também um bem humorado cronista. Vale a pena ler os Artigos disponíveis no site. As “Cartas de Londres” são ótimas! Um trechinho:

Belmira, sei que não devo ligar para a crítica. Aliás, sua última carta estava muito divertida. Ri muito com a definição de crítico, "aquele perneta que ensina um atleta a correr mais rápido". Você conhece a resposta deles? "Para criticar um omelete, você não tem de ser, necessariamente, capaz de botar um ovo". Não é ótima? Você sabia que Brahms, traumatizado pela crítica negativa de seu primeiro concerto para piano e orquestra, levou vinte anos para escrever o segundo concerto? Imagine, Belmira, se não fosse por esse cretino, poderíamos ter, talvez, em vez de dois, cinco concertos para piano e orquestra. Definitivamente, o código penal precisa ser revisto.

Nelson Freire já é filme. Tem que assistir.

Por quais motivos esses músicos não estão fazendo música no Brasil? Não sei. Mas imagino que o fator “cachê” possa ser um deles. Entre as justificativas para a queda de John Neschling da frente da OSESP estava o salário de mais ou menos R$ 110 mil mensais. Algo em torno de 35 mil Euros. Mas essa gente sabe quanto ganham os Ronaldos da vida? Tá. O país é pobre, não pode pagar, tem outras prioridades, tem gente morrendo de fome e blablablá. Ok! Mas os que falam essas bobagens sabem quanto estuda um Maestro? Sabem quanto ganham as Xuxas, as baianadas Sangalos e Chicletes e outras maravilhas da cultura popular? Sabem que São Paulo tem mais heliporto que Nova York? Que Brasília tem palácios, castelos e praias privadas? Ah, Brasil... quando serás de todos os brasileiros? O país não é pobre, não senhor! Precisa distribuir melhor a riqueza e isso todo mundo sabe.

Fico feliz quando leio protestos contra esse montão de bolsa-não-sei-lá-o-quê distribuídas pelo governo Lula que, segundo alguns, incentiva a preguiça. Não é bem assim. Apenas não incentiva o trabalho escravo. Quer que o Zezinho trabalhe pra você? Então pague mais e melhor que a bolsa que ele recebe, ou ele vai ficar mesmo se embalando na rede, tomando açaí. Não sou eleitor do Lula, mas confesso que gosto de ver essa mudança no Brasil. Sabe quanto custa uma empregada doméstica na Itália? Mais ou menos 1.000,00 euros mensais. Não pode pagar? Levante o traseiro e faça você mesmo! Assim deve ser. Dignidade.

Voltando aos músicos. Eu citei apenas 3, mas são muitos os talentos brasileiros espalhados pelo mundo e que o Brasil praticamente desconhece. Como o café e tudo de bom que o Brasil produz, para os brasileiros só fica a borra. Azar nosso.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

FELIZ NATAL MUSICAL!



Nesta época do ano é muito comum, no Brasil, ouvir corais cantando pelas ruas, praças e centros comerciais. Considero particularmente interessante certos aspectos desse tipo de manifestação artística e apresento aos meus grupos algumas observações que reproduzo aqui. Antes, porém, um pouco sobre a figura do regente.

No futuro talvez seja diferente, porém, nos dias atuais, quem rege, para alcançar um resultado, depende de pessoas, de gente com pensamento e vontade própria. Um grande desafio.

O artista plástico, para pintar um quadro, usa pincel e tinta. Instrumentos sem cérebro. Nunca o roxo vai questionar se o artista preferir azul ou vermelho. O pincel nunca terá problemas familiares e faltará a uma semana de ensaio. Já o regente, para finalizar uma obra, precisa da boa vontade, da colaboração de um grupo complexo que deve ser liderado, administrado e conduzido de forma harmoniosa para um resultado final. Não é fácil.

Nesse contexto, alguns maestros são conhecidos como tiranos, ditadores, autoritários e prepotentes, enquanto outros são bonzinhos, democráticos, liberais etc. No “Ensaio de Orquestra”, de Fellini, tal figura chega a ser substituída por um grande metrônomo. Nunca me importei se um regente é isto ou aquilo, mas sim com o som que ele produz, não me interessa como, afinal, para qualquer lider será sempre muito difícil escapar da vontade da horda de “matar o pai, tomar seu lugar e tripudiar sobre seu cadáver, no melhor estilo edipiano.”

Na minha caminhada diante de grupos corais, tentei ser um misto de ambos os tipos. Democratizava o que era possível e tiranizava o impossível. Assim, dividia tarefas administrativas, fazia eleição para chefes de naipe, coordenadores, tesoureiros etc. Porém, quando se tratava de música, a palavra pertencia só a mim e mais ninguém, pois quando um coro faz bonito, todo o grupo recebe elogio, mas quando vai mal, a única informação que pedem os ouvintes é: “Qual o nome do maestro?” Vale a assinatura no quadro. E sempre assinei o que produzo, mal ou bem. Com alguns grupos convivi pacificamente por décadas. Com outros, o divórcio foi inevitável.

Ninguém é obrigado a participar, mas, ao integrar um coral, o coralista deve confiar, estar ciente e concordar em ceder sua voz como instrumento de trabalho do regente. Essa relação implica respeito recíproco. Quando isso não ocorre, o atrito é fatal. No meu caso, sempre priorizei a música. A minha música. O resto era lucro ou prejuízo.

Pensei esta introdução para ajudar a esclarecer um pouco mais o que pretendo escrever sobre o repertório de Natal, período capaz de mexer com a emoção das pessoas. Tem gente que se deprime, sente saudade, chora. Conheço quem, no dia 24, toma remédio para dormir profundamente e, se possível, acordar só no dia 26. Tem gente que se alegra, confraterniza com amigos e familiares, brinda o aniversariante, enfim, tem de tudo. Mas... e a trilha sonora? Chegamos ao ponto: maestro + coralistas + repertório = NATAL. Natal?

Sugiro parar e observar o próximo coral, principalmente em palco de shopping center, como canta esta música:

Anoiteceu, o sino gemeu
E a gente ficou feliz a rezar
Papai Noel, se você tem
A felicidade pra você me dar

Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
E assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel

Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem.

Além do Português sofrível, é quase certo que o grupo cantará essa música de maneira alegre, talvez até dançando e com um enorme sorriso no rosto. O ritmo é animado! Mas... e a letra? Deprimente. Para o autor, Assis Valente, “felicidade é brinquedo que não tem” e, provavelmente por esse motivo, cometeu suicidio. Morreu como o Papai Noel da poesia na qual é figura principal. O aniversariante da data nem citado é.

E esta, que considero uma das melhores adaptações de música estrangeira natalina para o idioma Português, como será que o coral em cena irá cantar?

Noite feliz, noite feliz
Ó senhor, Deus de amor
Pobrezinho nasceu em Belém
Eis na lapa Jesus, nosso bem
Dorme em paz, ó Jesus
Dorme em paz, ó Jesus

Noite feliz, noite feliz
Ó Jesus, Deus da luz
Quão afável é teu coração
Que quiseste nascer nosso irmão
E a nós todos salvar
E a nós todos salvar

Noite feliz, noite feliz
Eis que no ar vêm cantar
Aos pastores os anjos do céu
Anunciando a chegada de Deus
De Jesus, salvador
De Jesus, salvador

Na parte que diz Dorme em paz..., o volume e a forma cantada permitirão um sono tranquilo a uma criança que acabou de nascer? Que dizer da expressão facial? Noite Feliz... todo mundo triste ou, de fato, feliz?

A primeira música nunca fará parte do meu repertório. A segunda, podem fazer em ritmo de samba, jazz, baião, como quiserem, mas coral sob minha regência cantará de forma serena e feliz, como um acalanto. Dois exemplos para duas situações invertidas: Letra triste com ritmo alegre e letra alegre com ritmo lento. Se não prestar atenção na letra, será grande o risco de rir na desgraça e chorar na alegria.

Tem outros casos interessantes, como “os pinheiros brancos de neve” do Piauí ou de Belém, que não cabem aqui. Tudo bem. Sem radicalismos. Usemos a imaginação e pensemos longe... lá, onde a neve cai...

Finalizo com o video abaixo - que considero a melhor interpretação - desejando que todos possam compor uma bonita e adequada trilha sonora para festejar o nascimento de JESUS CRISTO, personagem central, verdadeiro e único merecedor de louvor e honra nesta data. O pagão, bonachão e coadjuvante Papai Noel não morreu e certamente trará o brinquedo “felicidade” para quem nela acredita.

FELIZ NATAL!

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

LAISSEZ-FAIRE

Você consultaria um falso médico, um falso advogado ou faria construir sua casa por um falso engenheiro? E que tal contratar um falso músico? Nenhum problema? Talvez. Só que, no caso do músico, o buraco é muito, mas muito mais embaixo.

Eu já pensava em escrever sobre este assunto, mas confesso que o texto publicado recentemente no blog do Dr. Vladimir intitulado “Por favor, respeitem o artista”, me deu uma dose extra de ânimo, sendo que vou tratar mais especificamente do universo musical.

Gostaria de iniciar comentando um particular da profissão “músico”. Existe falso médico, falso advogado, falso engenheiro e falso qualquer outra coisa, mas... existe “falso músico”? O que seria? Um músico que não tem formação acadêmica? Mas a OMB reconhece como músico qualquer um que faça... música(?!?!). E agora, José? Agora entram as Leis do mercado, da oferta x demanda, do forte x fraco, do talento artístico x talento financeiro e assim por diante.

Como um músico profissional, aquele que estudou por anos, que se especializou, que sofreu em busca de um diploma, se fará respeitar quando, no final das contas, para sobreviver, a guerra se dará no tapetão do mercado? Respeito os que conseguem uma cátedra em universidade, conservatório ou qualquer emprego fixo e seguro que permita esnobar outras propostas indecentes de trabalho, mas penso nos que vão para a luta no campo de batalha e lembro o que um dia ouvi de um velho professor. Perguntou ele por qual motivo os carros americanos, no início do mundo globalizado, tiveram enorme dificuldade em penetrar no mercado japones, enquanto os carros japoneses invadiram facilmente o mercado americano. A resposta, em poucas e simples palavras: Os americanos tentaram enfiar na goela dos japoneses aquelas banheiras enormes, obsoletas, com alto consumo de combustível, produto que os japoneses definitivamente não desejavam, enquanto os nipônicos ofereciam aos americanos o contrário, ou seja, carros modernos, mais compactos, porém espaçosos e confortáveis, econômicos, bonitos, enfim, totalmente de acordo com o desejo do consumidor americano. Bingo!

No mundo musical, como atuam essas tais Leis de mercado? Dou como exemplo relatos verídicos vividos por mim em mais de 20 anos de estrada. Não cito nomes, mas todos os personagens existiram de fato.

Trabalhando entre o Norte e o Nordeste do Brasil, qual seria o modo mais fácil e rápido de um músico se afirmar? Na Bahia, tocando com qualquer bloco carnavalesco, afinal, o carnaval lá não acaba nunca; no Pará, nas lambadas da vida; em Pernambuco e Ceará, numa banda de forró, e assim por diante. Bem, eu escolhi, atuando nessas regiões, reger um Coral especializado no repertório sacro de grandes compositores e aquele milenar da Igreja Católica, isto é, com músicas em Latim, canto gregoriano e coisas do gênero, pelo simples fato de nisso me realizar e sentir prazer. Para não radicalizar, em determinados momentos me permiti caminhar por estradas floridas, fáceis e rentáveis, mas no Coral religioso o caminho tinha que ser espinhoso, pedregoso, esburacado, trabalhando com leigos e voluntários um repertório, no mínimo, ousado para esse tipo de grupo. Tudo isso mais as minhas eventuais deficiências técnicas (ninguém é perfeito) tornava o resultado final, para nós e alguns poucos, um êxtase absoluto!

Como esse trabalho era vendido? Dizer que não pensávamos nisso seria mentir, mas, antes de tudo, pensávamos na música que NÃO queríamos fazer. Confesso que, por esse motivo, era vendido com a técnica dos americanos contra os japoneses. O cliente ouvia o Coral, se aproximava e perguntava se era disponível para cantar uma determinada Missa (aniversário, 7º dia, casamento etc.). Eu respondia que sim. Se a conversa ia adiante, eu apresentava a lista com as músicas do nosso repertório e dizia para escolher entre aquelas. Quando a pessoa não sabia exatamente o que estava comprando, iniciava a ladainha. - O falecido gostava da música tal; o aniversariante daquela; a noiva daquela outra... não tem na lista. - Sinto muito. O Coral só canta o que está aí e música popular não entra na igreja com o nosso grupo. 90% das vezes a conversa terminava ali.

Convém dizer que o valor cobrado era outro fator de rápida desistência dos não habituados ao tipo de música, quase sempre figuras que gastam fortunas com comida e bebida e querem a música, se possível, de graça.

Parênteses aqui. Meu grupo não se movia sem ter garantido antecipadamente transporte de ida e volta. Diz o ditado: “Fim de festa, músico a pé”. Na hora de buscar é uma beleza... depois que acaba, viola nas costas e pé na estrada. Ne-ga-ti-vo, cara-pálida! Paga antes ou nada feito.

Aos 10% que conheciam o repertório, era dar o preço e fazer o trabalho. Quem sabia o que queria e estava comprando concordava com tudo e pagava sem pechinchar e com tranquilidade. Assim, para estes últimos, fizemos Missas memoráveis, explêndidas, maravilhosas, porém poucas se comparados nossos números com os daqueles que vendiam o que o mercado queria comprar. Entre estes, músicos diletantes mais baratos que banana em fim de feira.

O caso mais interessante envolve uma família da qual fui professor de música. Pouco tempo. 6 meses, mais ou menos. O que dá pra aprender em 6 meses? Os nomes das notas? A leitura das duas claves? Quase nada. Foi, porém, tempo suficiente para o que segue resumidamente.

O pai, formado em Direito, logo, Advogado (mesmo!), antes de estudar comigo tocava Missas aos domingos com um violão, ajudado pela esposa que cantava. Começou a ganhar mais dinheiro que no escritório de advocacia. Fechou o escritório e resolveu investir na música. Iniciou os estudos de Teclado e Teoria, comprou os melhores equipamentos e instrumentos musicais. A voz da mulher que era um fio, um nada, virou um vozeirão alterado por modernos equipamentos. E, assim, sem saber quase nada de música, ele ganhou muito dinheiro, pois sabia como poucos programar o Teclado que tocava sozinho enquanto ele “dublava” tocando nas teclas mudas. Vigarice? Quem se importa!? O resultado era, aos ouvidos de quem pagava, maravilhoso! Lá estava a música que o morto gostava... a preferida do aniversariante... da noiva... e assim, de maneira inteligente e competente, diga-se bem, ele montou uma empresa especializada em eventos, comprou carros para transportar os equipamentos, treinou o filho para assumir compromissos quando a agenda estourava e se afirmou no mercado. Dizia ele que cobrava x, mas se o cliente oferecia meio x ele ia, pois, se ficasse em casa parado, outro pegaria aquilo e ele nada. Está errado? O que tinha a perder? Nunca estudou música seriamente. A música era praticamente um passatempo rentável (sim, um advogado pode ser músico a qualquer momento, trabalhar e ganhar dinheiro como tal; o músico não pode ser advogado, médico ou engenheiro nas horas vagas, por mais conhecimento que tenha em qualquer dessas áreas, se não tiver um diploma e autorização da Ordem dessas categorias). Ele agiu como os japoneses no confronto dos americanos.

Resumo da Ópera. Mesmo que o cara não saiba fazer um dó central na clave de sol sentando nu na areia (para quem não sabe, esse dó tem o formato de um círculo atravessado ao centro por uma reta, como o planeta Saturno, mais ou menos, dependendo do ângulo dos anéis), se ele organiza bem os sons e o silêncio, ainda que toque Teclado com 3 dedos pé-de-galinha, é considerado músico e pode obter a carteira da Ordem dos Músicos do Brasil igual a que possui o John Neschling. Isso não é ruim, afinal, entre os analfabetos musicais temos, entre tantos, Djavan.

A arte e o talento independem de papéis, de diplomas, de estudos, mas, como tudo no mundo capitalista, também estão sujeitos às Leis do mercado. Se fazer respeitar ignorando essas Leis não é tarefa das mais fáceis. Que o diga o Lobão. Caetano gravou Peninha. Caprichou na maquiagem daquilo lá, mas a essência foi e sempre será de um brega das luzes vermelhas da Condor. Se não me engano, foi a primeira vez que ele ultrapassou 1 milhão de cópias vendidas. Titãs, quem diria, depois dos bichos que saiam dos esgotos, produziram música para elevador. E por aí vai. É preciso pagar as contas, comer e viver.

Só a educação de um povo pode mudar o conceito sobre o que vem a ser arte e o respeito por quem a produz.

No dia 22/11 foi comemorado o Dia do Músico e de Santa Cecília, padroeira da música e dos músicos. Diferente dos demais profissionais amparados por Ordem de categoria, sindicato etc., o músico precisa, mais que qualquer outro, de proteção do alto, pois trava uma guerra diferente com novas tecnologias, novos concorrentes e principalmente com uma antiga regra de mercado livre do capitalismo selvagem: “laissez faire, laissez aller, laissez passer”. Salve-se quem puder... deixa fazer... deixa ir... deixa passar... deixa rolar... the show must go on... “laissez-faire”. Que se ferre!

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

SAIR DE CENA

Gerald Thomas disse recentemente que sai de cena. Literalmente. Pipocaram ironias e piadas. Na entrevista publicada na Folha Online, algumas falas do Diretor.

"Minha vida no palco acabou [...] tenho que sair por aí pra redescobrir quem eu sou".

“Comecei a pensar que muitos artistas, incluindo o próprio [dramaturgo irlandês Samuel] Beckett (1906-1989), não sabem a hora de sair de cena. "Rockaby" e "Enough" são textos tão menores, inúteis desse maior autor do século 20. Eu me pergunto se ele precisava realmente tê-los escrito. Ao mesmo tempo, o que ele poderia fazer? Tricô? Não, né?!"

"Depois que você chega num pico, vira um repetidor de si mesmo".
Teria sido este o pecado de John Neschling, o polêmico Maestro da Osesp defenestrado recentemente?

"Teatro não é tecnologia, é algo para que o público esteja na presença do ator, a metros dele. Se você tenta transformar em tecnologia, fica pretensioso. Essa integração de mídias é a maior mentira que já houve."

Nunca assisti Gerald Thomas, mas acompanho o que dizem e escrevem sobre ele.

O duelo genialidade x mediocridade não tem fim.

Em qualquer biografia se pode conferir, mas esta na Wilkipedia facilita para quem está online.

Johann Sebastian Bach (...) tido como o maior compositor do Barroco e, por muitos, o maior compositor da história da música, ainda que pouco reconhecido na altura em que viveu.

Um aspecto impressionante da vida de Bach é que o compositor teve pouco reconhecimento em vida. Era tido por todos como um virtuoso do órgão, talvez o melhor de que se tinha notícia. Como compositor, porém, era considerado antiquado e sem criatividade.

Não foi só ele na História. E agora? Como fazer para saber quando se está diante de um gênio injustiçado ou de um medíocre original? É bom ler e ouvir tudo e todos, mas melhor ainda é quando se consegue um juízo próprio a respeito do que quer que seja. Eu inventei, para mim, um método que me ajuda a decidir. Funciona mais ou menos assim:

1. Estrutura complexa + resultado simples = GENIAL
2. Estrutura complexa + resultado complexo = INALCANÇÁVEL
3. Estrutura simples + resultado complexo = NOIA
4. Estrutura simples + resultado simples = CENSURA LIVRE

Nesse sistema não existe o resultado “medíocre”, afinal, o que vem a ser isso uma vez que em qualquer dos 4 itens é possível, neste mundo, alcançar o sucesso imediato e o primeiro milhão de dólares, bem como o fracasso e o fundo do poço ou, como no caso de Bach, um resgate futuro?

Tudo que Mozart mais desejava na vida era um bom salário e um cargo estável na corte como tinham os considerados medíocres músicos italianos. Nunca conseguiu. Dizer que ele não almejava sucesso e dinheiro é bobagem. Isso a Banda Calypso conseguiu.

A genialidade e a mediocridade têm dessas coisas.

Voltando a Gerald Thomas, o Diretor, ele fez, realizou e cansou ele e dele, mas entrou, atuou e saiu de cena.

Bravo!

A CIGARRA


A Formiga trabalha todo o verão para ter casa quentinha e comida no inverno. A Cigarra, na fábula, apenas canta e se diverte. Quando chega o inverno, o frio e a fome, procura a Formiga que no final da conversa diz: “Cantavas? Agora dança!”. E bate a porta na cara da Cigarra. Assim termina a história e ficamos sem saber o que acontece com a Cigarra.

Eu sempre inventava um final diferente quando contava para meus filhos. Um deles era que, naquele inverno, morriam as duas: A Cigarra de frio e fome e a Formiga de um piripaque de tanto trabalhar. Outro era que a Cigarra conseguia sobreviver mas, no verão seguinte, estava novamente no parque, cantando, tocando e se divertindo enquanto a Formiga se acabava trabalhando e perdendo o espetáculo da natureza. Como dizia meu professor de Contabilidade, para cada Débito existe um Crédito. Também na vida.

Quando inicia a primavera em Roma as Cigarras invadem a cidade. Felizmente essas aprenderam a colocar o chapéu na praça ou na calçada para receber as moedas que chovem de acordo com o talento e o repertório de cada uma. Quando chega o outono elas começam a desaparecer, mas provavelmente conseguirão atravessar o inverno tão bem quanto a Formiga ou até melhor!

As Cigarras são do parque, da rua, da calçada. Valem o quanto ganham diretamente do público. Não se adaptam a esquemas nem sistemas. Talvez pudessem estar cantando e tocando nos salões, nas festas, nos bares e navios, mas surgiu a figura do Gafanhoto DJ que resolve tudo sozinho usando o som gravado pelas Cigarras e inventando outros. Igrejas e eventos foram tomados pelos Carapanãs programadores de sintetizadores e computadores com falsas vozes corrigidas eletronicamente.

As Cigarras que não gostam da estrada devem se especializar e conquistar lugar nas grandes companhias, orquestras, óperas, musicais e bandas onde nem tudo é paz, sombra e água fresca, como bem retratou Fellini no seu “Ensaio de Orquestra”.

Interessante que a maioria das Formigas associa a Cigarra a um ser miserável e sem sorte. Nem todas. Algumas Cigarras conseguem ganhar tanto ou mais dinheiro que muitas Formigas, mas a alma... ah, essa será sempre de Cigarra, “sem relógio e sem patrão”, livre, anárquica, cigana, sufocada e reprimida às vezes pelas circunstâncias, mas sempre latente.

Quando a Cigarra envelhece, como a maioria pouco se importa com o dia de amanhã, vem encostada em um asilo qualquer e abandonada ao destino. Quando morre, é enterrada em vala comum enquanto as Formigas se refestelam com a herança artística produzida durante toda uma vida cujo reconhecimento, se vier, chegará quando a Cigarra tiver virado pó. Poucas escapam deste final.

E a Formiga? Dizia uma Cigarra maluco-beleza que...

A FORMIGA SÓ TRABALHA PORQUE NÃO SABE CANTAR.

FIM

quinta-feira, 16 de abril de 2009

VALEU!

Todas as palavras não bastam para enaltecer as virtudes de um pai, principalmente quando este morre. Momento em que belos textos são escritos pelos que ficam imersos na saudade. Meu pai morreu e muito de bom e bonito sobre ele foi escrito.

Não pretendo mais um texto nesse sentido, pois não vou aqui enumerar e enaltecer as infinitas virtudes do meu pai. Elas existem para mim, enquanto filho, e não necessariamente para as demais pessoas. O que de bom a ele não disse ou fiz quando era vivo, agora não importa mais.

Entendo, mais do que nunca, como é difícil manter a rota sem se perder na imensidão do espaço vazio que, de uma forma ou de outra, com ele aprendi a preencher com semibreves, mínimas, semínimas e colcheias, embora sua maior técnica eu não tenha conseguido imitar: o uso de pausas. Grande Maestro autodidata! O silêncio e a mansidão não deixavam dúvidas do perfeito ouvido interno que possuia. Harmonioso. Absoluto. Eu, musicalmente alfabetizado, dele não sou nem a sombra.

A cortina se fechou na velha Itália, após um Natal no coração da Igreja que ele serviu por toda a vida. Visitou, antes, todos os filhos e netos, como em um périplo de despedida da missão a ele confiada e cumprida. Um círculo perfeito se formou. Do ponto de partida, no passado, mesmo de retorno, no presente, para nova partida a um futuro de luz e vida infinita. Sim, ele acreditava nisso e adorava um Deus, que alguns dizem não existir, mas que, misteriosa e maravilhosamente, sempre se manifestou de forma concreta em nossas vidas. Não tem problema. Se não existir, meu pai nada perdeu. Se existir, muito ganhou.

A Ópera ele protagonizou no Brasil e hoje lá repousa com a mesma paz de quando dormia a sesta ou o tranquilo sono da noite. Não importa se foi grande ou pequeno, merecedor ou não de aplausos em cada ato. Importa que possuiu essa infinita paz enquanto era vivo.

A mim, resta apenas registrar e agradecer o grande privilégio de ter vindo a este mundo como filho de JOSÉ CARLOS FERRARI. Valeu!

Roma, 15/04/2009.