quarta-feira, 29 de setembro de 2010

NIGRA SUM

"Dark Am I, Yet Lovely" (Nigra Sum Sed Formosa")

Verdade que certas coisas na vida por serem tão belas, emocionantes e artisticamente transcendentes não têm preço. Um desses raros momentos musicais, para mim, foi ouvir "Nigra Sum", de Pablo Casals, com os Pueri Cantores della Cappella Sistina.

Este post se tornaria talvez chato e pesado se eu tentasse explicar a letra, principalmente no que se refere ao "Negra sou, porém formosa", inscrição comum em imagens de Maria negra espalhadas pelo mundo que, aliás, considerando a região geográfica onde ela nasceu e viveu, faz mais sentido que a Maria branca, loira, de olhos azuis. Quem tem a mente aberta e se interessar, pode pesquisar e estudar o texto bíblico em Latim disponível neste link. Depois, se vasculhar a Internet, encontrará desde protestos racistas até análises profundas e equilibradas sobre a origem, adaptação e significado de tão belo "cântico dos cânticos".

Transcrevo abaixo a forma que consta na partitura de Pablo Casals, com tradução livre e básica para o Português.

Nigra sum, sed formosa, filiae Jerusalem.
(Negra sou, porém formosa, filhas de Jerusalém.)
Ideo dilexit me rex et introduxit me in cubiculum suum et dixit mihi:
(O rei se alegrou em mim e me conduziu nas suas câmeras e me disse:)
Surge et veni, amica mea.
(Levanta e vem, formosa minha.)
Jam hiems transiit imber abiit et recessit.
(O inverno já passou e a chuva acabou.)
Flores apparuerunt in terra nostra,
(Flores aparecem na nossa terra)
Tempus putationis advenit.
(E o tempo de renovação é chegado.)
Aleluia!

No video certas partes da letra são repetidas quando cantadas. Precisa um pouco de atenção para não se perder ao tentar acompanhar texto e canto. A música inicia em torno dos 05:20 minutos. Quem quiser ir direto ao ponto, basta apertar "play" e "pause", esperar carregar e correr o cursor até o tempo indicado.

O segundo garoto na primeira fila, da direita para a esquerda de quem assiste, é "meu filho amado em quem me comprazo", responsável, com os colegas de naipe, pelos agudos.


Para todas as outras coisas da vida existe o cartão de crédito.

sábado, 18 de setembro de 2010

CIDADE-PRESÉPIO

Em curto espaço de tempo tratei dela em 3 posts contando este que será o último (por enquanto). Gosto dela, isso (Freud explica).

É cantada em verso e prosa pelos habitantes como “cidade-presépio”. Se não me engano, tem algo relacionado com a posição geográfica em colina, mas, sinceramente, não sei nada além disso.

Soube que estão tentando reformar igrejas e capelas da cidade e, para isso, começaram a fazer campanha. Uma delas é com a padroeira peregrinando nas capitais e cidades vizinhas em busca de recursos. Penso que depois os sacerdotes deverão pedir que sejam generosas as esmolas nas celebrações dominicais (não é comum fiel católico pagar dízimo e dar ofertas como a da viúva do livro de Marcos 12,41-44), contatar o IPHAN e assim por diante. Quanto tempo vai levar isso?

Que tal agora uma viagem onírica para tentar agilizar o processo? Vamos? Aperta o cinto.

Se não neste, no próximo Natal, na parte mais estreita do maior rio do mundo, o primeiro e único presépio indígena do planeta!

Sente o clima...

Em tamanho natural, uma oca ou uma típica palafita da Amazônia, de tábua e palha, porém bem construída, inserida em uma paisagem criada artificialmente e ornamentada com árvores, plantas, flores e animais da floresta. Dentro, imagens indígenas e de animais em tamanho natural.

Sei, sei, a horda “politicamente correta” vai estrilar: “Blasfêmia e ofensa à cultura indígena!" Calma... vamos adiante... deixa eu terminar.

Maria, uma bela índia virgem de 15 anos - idade que tinha na época segundo os estudiosos - talvez não possa estar de tanga na cena, pois poderá causar desconforto a algum visitante, além de tornar ainda mais difícil e cruel a castidade do tapuio S. José. O bom senso recomenda que ambos estejam cobertos por um manto de juta, pena ou o que seja, ao lado da manjedoura e do curumim sagrado.

Estrela na fachada, boi, cavalo, carneiros, bodes e, no lugar dos pastores, caboclos vindos da floresta andando ou remando em fictícios igarapés. O Espírito Santo seria uma arara-azul e os reis magos, pajés. Os presentes. Ouro, a floresta tem. Incenso, também. Mirra, mirra... o pajé criou. Estão todos? Não. Falta um. Mas primeiro falemos de “blasfêmia e cultura indígena”.

Temos Maria branca e negra. Algum problema em ter Maria índia? Ah! A cultura indígena...

A oposição (que um político que conheci dizia ser formada de “tupamaros”) vai argumentar que os índios adoram o sol e foram massacrados pelos jesuítas e aculturados pelo Frei Bento, na aldeia dos Tiriós.

Crianças... Javé, Jesus, Sol, Buda, Maomé, Alá e todas as demais entidades místicas são a síntese de um único pensamento humano: “Se existe um relógio, existe um relojoeiro”. Eu adaptei assim: “Se existe uma orquestra harmoniosa e afinada, existe um Maestro. Basta com as divisões. É a esse Maestro Universal - que cada um que acredita chama como prefere - que o presépio rende homenagem. Importante é o resumo dos mandamentos: “Amar o próximo como a si mesmo”. Difícil. Uma paulada na moleira, mas esse deve ser o objetivo humano para fazer deste mundo um reino de paz. E foi esse amor ao próximo que fez o Frei Bento deixar o conforto da Alemanha e dedicar aos índios uma inteira vida na floresta. Agora que ficou velho e foi embora, até onde eu sei, não deixou nenhuma criança traumatizada nem muito menos loira, de olhos azuis e apreciadora de boa cerveja. Mas dessa grande maioria anônima de santos vivos que fazem a Igreja ninguém fala. O espaço da mídia é reservado para a minoria pecadora.

Eu sugiro, então, acrescentar a imagem do Frei Bento, de batina e sandálias franciscanas, caminhando na floresta em direção ao presépio. Seria uma singela homenagem a esse Sacerdote. Em outros tempos poderia segurar a mão de uma cunhantã, mas, considerando o cenário atual, talvez seja melhor ele caminhar sozinho.

- Qual a conexão desse presépio com a reforma das igrejas? - Turismo. Verba. Dinheiro!!!

Tupamaros: - Exploração da e da miséria do povo! - Não, queridos... turista não é pobre nem miserável. É turista!

Alguém consegue imaginar quantas moedinhas são lançadas por dia na Fontana di Trevi em Roma e o destino delas? Milhares! São recolhidas e enviadas para a Caritas Diocesana que transforma migalhas em um banquete de qualidade servido diária e gratuitamente para os imigrantes e clandestinos (maioria muçulmana) da cidade. Pouca gente sabe disso, mas é absoluta verdade. Os fins justificam os meios.

Minha irmã jogando moedinha na Fontana di Trevi para voltar a Roma.
Se divertiu com a tradição, mas a intenção principal estava no coração.

O presépio da “cidade-presépio” deverá ser visto de longe, do meio do rio, iluminado de noite por tochas e lamparinas, tendo já um céu natural com as 3 marias e Cruzeiro do Sul. Para chegar poderiam ser oferecidas duas vias de acesso: uma com as estações da via crucis (marcadas, sinalizadas, porém, sem gravuras, para não complicar o conceito indígena) para quem quisesse fazer a tal peregrinação e outra por estrada, de carro.

Deve contar com adequados e seguros recipientes para as moedinhas, ofertas e pedidos de graça. Os nativos da região poderiam oferecer frutas e animais para leilão. Depois de reformadas as igrejas e capelas, a renda do presépio seria aplicada de forma responsável em comunidades carentes e indígenas.

Para ser um local que atraia visitas, tudo dever ser realmente bonito e harmonioso. Será preciso encontrar um Michelangelo tupiniquim para esculpir em barro as imagens. Nada talhado a machado. Devem ser perfeitas! Creio que não precise explicar a diferença entre imagem e ídolo de barro.

No mercadinho do meu outro post, seriam vendidas miniaturas do presépio, camisetas com foto e todo tipo de souvenir  da cidade que conseguirem imaginar e criar.

- Problema. O Natal é uma vez por ano. – É, mas a cidade é presépio o ano inteiro. - E quem quer saber de presépio nos outros meses? - Quem tem algum pedido ou graça para alcançar, ou seja, uma romaria! – E quanto custaria construir isso? – Pouco. Palha, madeira, barro, cimento, um arquiteto, um paisagista, um escultor... o que mais? Basta diminuir o número de carnavais no ano, mantendo, incentivando e divulgando aquele que realmente representa a cidade, ou seja, do mascarado Fobó (outra potencial fonte de renda), que o dinheiro aparece. Foi mal? Corrige.

- A cidade espera descobrir uma mina de ouro... - Mas ela está , no nariz de todos! Desce e sobe o rio todo santo dia. É só jogar a rede de pescar navio e garimpar!

- Parintins faz.

- Pois é. Tem que ter cuidado com o nome que a Santa vai ganhar do povo. Acho que Nossa Senhora dos Pauxis soa... digamos... estranho. Talvez ficasse melhor Nossa Senhora dos Tapuios. Sim, gostei! Como todas as outras, esta também filha da querida padroeira da cidade-presépio, Sant'Ana. A Sagrada Família: N. S. Tapuia, S. José Tapuio e Curumim Jesus.

Termina aqui nossa viagem. Pode soltar o cinto. Fiquei feliz pela tua companhia nesse louco trajeto onírico. Valeu!

Desenho: Kanton
Técnica: traço nanquim & photoshop

Neste link, presépios peruanos.

Nota: Acredite quem quiser, a ilustração final e o link foram encontrados e acrescentados ao blog no dia 24/09/10, muito depois de escrito e publicado o texto, pesquisando o tema na Internet. Incrível mesmo foi a presença da arara-azul no cenário. Será ela a fonte de inspiração? Amém.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

MADE IN ÓBIDOS

Pronto, surtou de vez! Dirão alguns. Não me importo. Aliás, nunca me importei muito com o que pensam ou deixam de pensar. Agora então, depois de certa idade e vivência, menos ainda.

Aproveitando o tempo livre que tenho no momento enquanto me recupero de uma recente cirurgia, entre outras coisas, escrevo este Diário.

Hoje resolvi compartilhar algumas idéias malucas, tipo aquela em que o cara observou que todo curativo era feito com esparadrapo e algodão, juntou os dois, inventou o Band-Aid e ficou rico. Simples assim.

- Huuummm... mas idéias como essas não se dividem com ninguém e se fica rico também. - Verdade! O problema é que já sou rico (de amor, carinho, família e amigos sinceros e certos nas horas incertas - verdadeiro tesouro!), o tempo passou, não realizei e, sendo presunçoso, penso que, se pelo menos uma vingar, pode gerar riqueza para alguns empresários malucos ou, melhor ainda, para uma inteira coletividade.

O texto é longo. Lá vai história...

No dia 04/07/2010 ficamos sabendo que o Papa celebraria uma Missa em uma cidadezinha chamada Sulmona, na província de Aquila, Itália. Meu filho, como integrante do Coro que acompanha o Pontífice, faria a viagem com o grupo. Como sempre, fui para a Internet pesquisar onde era a cidade, o hotel que ele iria ficar etc. Surpresa! Descobri que Sulmona fabrica o melhor doce "confetti" do mundo! Não pensei duas vezes. Família no carro, lá fomos nós conhecer a cidade e conferir o produto.


Para entender a receita, ver os diversos tipos, as embalagens, lojas, fábricas, turismo e dinheiro que os docinhos geram, basta digitar em qualquer site de busca "confetti sulmona". Não fosse essa uma característica da cidade, a gente talvez nunca pisasse lá, pois o Papa e o Coro vemos e escutamos no Vaticano.

Praticamente cada cidadezinha italiana tem alguma coisa que atrai turismo. A pizza da Puglia é famosa pela cebola, mas para comer a melhor pizza de cebola do mundo tivemos que ir a uma minúscula cidade chamada Modugno, na província de Bari. A pimenta nos fez visitar cidades na Calabria e o molho "alla bolognesa" motivou a família a festejar o aniversário da minha filha em Bologna.


Isso sem falar de museus, monumentos históricos, religiosos, produtos artesanais e industrializados como instrumentos musicais, carros etc.

Onde quero chegar? Em Óbidos, cidadezinha pobre nos canfundós da Amazônia, localizada na parte mais estreita do maior rio do mundo com intenso tráfego marítimo ligando as duas maiores e mais importantes capitais da região norte do Brasil: Belém e Manaus.

Será que não tem nada naquela parte do planeta que obrigue quem por ali passa a parar na cidade e lá deixar boa grana? Ah, tem sim! Basta uma idéia maluca ou produto que só exista lá. Eis uma pequena lista.

Pense um bago de farinha de tapioca. Agora, pense esse bago crocante coberto de chocolate. Eureka! Temos um diamante! Quase. Falta o segredo que contarei no final.

Um italiano inventou um chocolate cuja fórmula é como a da Coca-Cola: podem até tentar imitar, mas nunca farão igual. Graças a esse produto, Michele Ferrero está na Forbes 2010 como um dos homens mais ricos do mundo. Tem no Brasil, em qualquer grande supermercado.


Também me chamou atenção outro produto que vi aqui. Um yogurt que vem em uma embalagem dividida em dois compartimentos. No menor tem pequenas bolinhas de chocolate e na maior o yogurt. A embalagem tem uma dobra que permite virar o conteúdo do primeiro compartimento direto no segundo e tomar o yogurt com flocos crocantes de chocolate.

Voltando para a tapioca e a beira do Rio Amazonas, com ela é possível, no mínimo, dois produtos.

O yogurt nada mais é que uma coalhada metida a besta. Então, basta pegar a tapioca coberta de chocolate, colocar na embalagem de um lado e, no outro, coalhada. Em anexo, um envolpe de açúcar ou sal e uma colher pequena descartável, como as palhetas de tomar sorvete. Seria o preto no branco. Agora, o branco no preto. De um lado a farinha de tapioca simples e do outro açaí. Claro que para ambos seria necessário conhecimento de pasteurização, conservação etc. Tenho dúvida apenas se o açaí é produto carioca ou japonês e para usar precisa pagar "royalty". Se ainda for amazônico e do povo brasileiro, acho que dá pra fazer.

A embalagem, aliás, tudo deve ser biodegradável e que não cause nenhum dano ao meio ambiente se lançado no rio.

Cupuaçu. Pegue o suco, coloque em uma garrafinha (one way) e acrescente bolinhas de gás. Pronto o suco "frizzante" de cupuaçu! Se preferir, acrescente cachaça. Não presta? Ninguém nunca provou.

Vamos em frente.

Gosto de assistir na TV aos programas de televenda dos antiquários italianos. As bengalas para idosos são verdadeiras obras de arte que, dependendo da origem, ano, adornos e contornos pode ultrapassar o valor de 5000 euros!

Óbidos produz uma bengala original, feita do pênis do boi. O acabamento é ruim, mas se a ela for aplicada a arte de um artesão, um detalhe em madeira para ajudar a dar suporte (uma vez que o material original não goza mais de tanto vigor), dificilmente não faria qualquer gringo pagar, no mínimo, 100, 150 reais (30, 50 euros) pela originalidade do produto. Portanto, sugiro aos criadores de gado da região desviar um pouco os olhos das potrancas e vacas e prestar atenção no cornudo. É possível que algum dinheiro esteja indo pro brejo, inclusive nos chifres que, se trabalhados com arte, podem se transformar em originais, preciosos e rentáveis "souvenirs" musicais.

Lembro dos doces de tamarindo em formato de bichos recobertos de açúcar e também uma geléia transparente com motivos decorativos. Produtos prontos. Para estes basta apenas a arte final em grande escala, como os "confetti" de Sulmona.

Quanto um turista pagaria por um pequeno peneiro de palha repleto de pitombas selecionadas (grandes, doces, bonitas) e geladas?

A lista não termina e eu preciso terminar o texto. Tem ainda idéia maluca para tucumã, bolinho de piracuí, molhos de pimenta, farinha, castanha-do-pará, ingá, bacuri, banana, pitanga, cerâmica, armas e ornamentos indígenas, espinha de peixe, casco de tartaruga, queijos, pães, cocadas, camarão, rala-rala, beiju, cuias de tacacá, sorvete, picolé, iguarias das comunidades italianas (pizza de pirarucu, calzone de pato-no-tucupi com jambu, tapioquinha no leite-de-coco, recheada de "nutella" e coco ralado, servida na folha de bananeira, já pensou?) e judaicas residentes no município, Guaraná FRAN (será que ainda existe a fórmula?) etc.

Pizza de Bacalhau da Noruega.
Trocando por Pirarucu da Amazônia, alguém já provou?

Passemos ao SELO DE QUALIDADE. Nada disso vai fazer ninguém parar em Óbidos se não existir algo que faça a diferença, pois é de esperar que logo tudo seja copiado e imitado. Prontinho!


Com tecnologia necessária para evitar falsificação.

Nada de siglas e abreviações. Uma coisa que o nativo de Óbidos tem para exportação é talento para o humor. Imaginemos a sigla P.O.O. para "Produto Original Obidense" no selo. Vai que um turista come alguma coisa estragada no navio e, ainda sem passar mal, visita a cidade, come algum produto obidense de ótima qualidade e morre na cidade. A sigla rapidamente passaria para "Provoca Óbito em Óbidos". Nem pensar! Para ganhar boa fama precisa muito tempo, mas para acabar com ela, alguns poucos segundos.

Nem vale a pena se preocupar com a imitação espoca-bode. Na avenida principal e no ponto mais nobre só tem uma cidade: ÓBIDOS.

A maluquice teria que gerar riqueza para toda a sociedade local. Chegamos aos caras: Políticos. Precisariam trabalhar um pouquinho para:

1. Firmar convênios com Universidades e centros de pesquisa para obtenção de tecnologia, know-how e cérebros científicos capazes de transformar idéias malucas em produtos e dinheiro.
2. Criar um polo interno produtivo municipal e um espaço na beira do rio, moderno, agradável, de fácil acesso, que não tire a vista da cidade, mas, ao contrário, a faça ainda mais bonita e atraente, para a construção do "MERCADINHO OBIDENSE", com barracas simples, de madeira, padronizadas, limpas, higiências e ocupadas por pessoas selecionadas tendo como base única e exclusivamente o mérito, talento, experiência e treinamento para a produção daquilo que pretende vender.
3. A propaganda em grande escala por toda a região e mundo.

- Quanto custaria isso? - Hum... refaça a pergunta. - Qual a relação custo x benefício do investimento? - Melhorou. Encomende um estudo e descubra.

Vai ter sempre a turma do contra que dirá que o belo de Óbidos é ser como é... que o cabloco lá quer saber disso... que basta jogar a vara, pegar o peixe e dormir a sesta... que todo mundo é feliz assim... blablablá... Pode ser. Não sei se pode dizer o mesmo dos tantos obidenses que estão nas periferias das grandes cidades lutando e sobrevivendo sabe lá como.

Até quando vamos exportar matéria-prima a preço de banana e importar produtos industrializados a preço de ouro? O país é rico, a região amazônica é riquíssima, mas a gente é pobre. Tem alguma coisa que não enquadra. O povo pode continuar ali, conformado, sentado à beira do rio, com a boca cheia de dentes (ou não), esperando que aconteça um milagre, descubram petróleo, ouro e bauxita que, quando acabam, deixam nada além de crateras e lembranças de um ciclo, ou tomar conta do destino e fazer acontecer um futuro rico e sustentável enquanto for rica e sustentável a natureza que lá está.

Enfim, o segredo prometido: TRABALHO + PAIXÃO.

Idéias malucas concretizadas, se vingarem algumas, certamente, dentro de alguns anos não passará um navio que o comandante não seja obrigado a encostar pelo menos uma hora no "MERCADINHO OBIDENSE", da cidadezinha rica nos cafundós da Amazônia.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

GRAVIOLA GLOBAL

A mesma planta, o mesmo canal, a mesma rede, o mesmo sangue (humano). Porém, parece que no azul, do hemisfério norte, rico, que fala Inglês, faz pirataria e explora a natureza brasileira, a graviola combate o câncer e faz milagres, enquanto no vermelho, do hemisfério sul, pobre, honesto e que mal sabe falar, aumenta as células cancerígenas e provoca ínúmeros malefícios.

Dois videos, dois contos "globais", apenas uma verdade. Qual? Mistério...



Vai, Brasil, mostra tua cara! Quero também ver quem paga pra gente ficar assim... desafinado.

domingo, 12 de setembro de 2010

JACKPOT

Está em jogo esses dias na loteria italiana SuperEnalotto o maior prêmio do mundo! A singela bagatela de € 136.100.000,00. Algo em torno de R$ 300.000.000,00 ou 3 vezes o maior prêmio pago pela Megasena. Joguei € 2,00.

Imaginando que meu investimento se transforme em uma fortuna de fato e que venha tudo (sim, tudo!) para mim, o que fazer com todos esses zeros?

Eis algumas possibilidades.

Na parte mais estreita do Rio Amazonas tem uma cidadezinha muito agradável, perdida no meio da selva. Não tem grandes riquezas mineirais ou atrativos turísticos (pelo menos não descobriram ainda). Para ela, dedicaria 4 projetos:

1. Um Hospital com Poliambulatório, devidamente equipado, moderno e competente
2. Uma Escola Técnica que, além do curso de Música (claro!), ofereceria formação para a realidade local (Agricultura, Aquicultura, Artesanato, Magistério, Enfermagem etc.)
3. A implantação de pelo menos uma Faculdade pública
4. Cooperativas

O objetivo principal seria fazer com que o povo nativo não precisasse abandonar o paraíso por qualquer motivo e, ficando, contribuísse para um verdadeiro desenvolvimento social e econômico da região. Além, claro, de permitir que eu pudesse comer ovo de Tracajá todo ano sem peso na consciência, pois a espécie estaria se reproduzindo também em cativeiro.

Gostaria ainda, com a devida aprovação da sociedade, fiéis e clero, devolver o local do Coro na igreja Matriz, demolido que foi após o Concílio Vaticano II, e equipar o templo com um belo Órgão e Coral para as Missas solenes.

A cidadezinha hoje praticamente administra massa falida, mas não deixa faltar circo para os habitantes. Importa músicos e realiza carnavais durante o ano.

Na capital, injetaria alguns zeros na Fundação Carlos Gomes e lutaria para que o "Instituto" voltasse a ser "CONSERVATÓRIO" com todas as letras maiúsculas.

Feito isso, acho que ainda me sobrariam muitos zeros. Aí, sorry periferia, viajaria pelo mundo, compraria minha Ferrari, meu Piano Steinway & Sons e viveria feliz para sempre.



Certamente minha filha, ao ler isto, dirá: Sonha, Cinderelo...

Bem, sonhar é uma das poucas coisas pelas quais não se paga nesta vida.

E viva o JACKPOT italiano!!!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

COLAGEM

No dia 03/10/2010 completarei 4 anos de Itália. Sim, 4 anos... quase meia década! Em Setembro de 2006 passei o rodo em Fortaleza, embarquei em Outubro e a família em Novembro. Motivo: SONHOS.

Para comemorar a data, resolvi fazer uma "colagem" das diversas fases de uma "vida cumprida a só". Vale a pena correr atrás dos sonhos? Eis o meu testemunho.

Infância:
Vivida em um distante paraíso amazônico, reino da liberdade, rodeado de livros que eram lidos com prazer, geralmente aumentado por meio pão com manteiga e açucar. Devido a um problema de saúde no ouvido direito ao qual me submeti a 3 cirurgias, uma das quais no Rio de Janeiro, não pude participar das muitas brincadeiras de rua com meninos da mesma idade, mas a proximidade com a Zona Franca de Manaus me permitiu haver brinquedos incríveis que não esqueço: Autorama Emerson Fittipaldi, Estação Lunar, Skate Hang-Ten de fibra de nylon, uma pipa de pano e bambu enorme que eu não podia empinar, pois os garotos com papagaio de papel e fio encerado eram feras e a derrubariam em um piscar de olhos, um robot que andava e girava 360° atirando com metralhadoras iluminadas escamoteadas em portas que abriam e fechavam no peito, um avião movido a pilha com barulho de turbina que andava no chão, parava, piscava luzes nas asas e partia novamente, um navio também movido a bateria, perfeito em todos os detalhes, que eu brincava com meu pai em uma fonte da cidade e, melhores de todos, carrinhos de ferro Matchbox "Made in England" que, infelizmente, não existem mais, pois são atualmente fabricados na China e não chegam nas calotas dos originais. Tive uma coleção incrível! Construia estradas e brincava no muro de um terreno baldio que tinha na frente da minha casa. Hoje essas miniaturas valem boa grana no e-bay. Infelizmente não me sobrou nenhuma.


Mais. Coleção completa dos Manuais Disney, cujo preferido era o Manual do Escoteiro, que ensinava sobrevivência na selva e alguns truques interessantes. Walk-Talk para brincar de polícia e ladrão, com o suporte de excelentes revólveres de espoleta na cintura, bicicleta e tantos outros que fizeram minha infância realmente muito feliz na companhia de alguns amigos e minhas 4 irmãs que, na ausência deles, eram obrigadas a brincar comigo. Não entendo até hoje como sobrevivi, pois fora desse mundo aparentemente seguro, enfrentei perigos na rua andando em cavalo que encontrava pela estrada, pegando carona em carroceria de pick-up para chegar até a escola, desafiando ladeiras com bicicleta e skate e outras travessuras.

Nasci no dia 01/05, dia do trabalho e do trabalhador. Desde a idade de 10 anos meu pai sugeriu que eu trabalhasse. Assim, na tipografia dos Franciscanos, junto com outros garotos da mesma idade, iniciei minha vida de trabalhador e nunca mais parei. 

Nesse período, iniciou o contato com a MÚSICA, que dura até hoje.


Adolescência:
Quando completei 12 anos e estava para iniciar o 2° grau (sim, com 12 anos eu já estava lá, o que era uma pena, pois todas as garotas da minha classe eram mais velhas que eu), aceitei de livre e espontânea vontade a proposta de meus pais para estudar em um internato em Pernambuco. Ali passei 3 anos felizes, frequentei um excelente Conservatório, terminei o 2º grau e retornei para Belém. Fiz cursinho e, com 17 anos, vestibular para Administração. Passei. Me formei com 21 anos. Início da fase adulta.

Internato: se trabalhava para completar o pagamento dos estudos.

Adulto:
21 anos! Enquanto fazia Administração, trabalhava como estagiário no BASA, aprovado que fui em concurso público, e estudava Piano e Regência de Coro no Conservatório Carlos Gomes. Passava pelo menos 4 horas por dia trancado em uma sala de música. Resolvi que gostaria de trabalhar com Recursos Humanos e, para isso, era importante o curso de Psicologia. Fiz o bacharelado em Belém. Terminei junto com o Conservatório, quando tinha mais ou menos 26 anos. Durante esse tempo sempre trabalhei. Dei aulas particulares de música, dirigi a parte musical em peças de teatro onde conheci minha esposa e com a trupe viajamos e nos apresentamos pelo Brasil, fiz o projeto VARIASONS, cuja história o escritor paraense Ismael Machado registrou no livro "Decibéis sob Mangueiras", integrei uma banda como tecladista e, com esse grupo, participei de festivais universitários de música.  A gente tocava pop-rock e a preferência do júri na época, não sei hoje, era pelo pau-e-corda, carimbó, cobra-grande, essas coisas. Depois me vinguei quando me convidaram para integrar o outro lado como jurado e apresentador de festivais do SESC para a TVE local. Participei como co-piloto de pegas na Augusto Montenegro, das pipocas do Círculo Militar, como espectador do Lapinha, na Condor e apreciador de heavy-metalprogressivo. Fã da Rita Lee, tive praticamente a coleção completa de discos até o momento em que ela decidiu casar e pasteurizar a música para vender mais.

Estive em Nova York, na New York University, onde meu "curriculum" musical e acadêmico havia sido aprovado para Mestrado em Musicoterapia. O CNPq negou a bolsa. Não interessava esse curso ao país, foi a resposta que recebi. Escrevi ao Governador do Pará na época contando a odisséia e dele recebi uma passagem aérea que me permitiu ir lá como aluno-ouvinte, inclusive dos ensaios e serviços do Coro da Catedral de St. Patrick. Meu Inglês era aquele aprendido no IBEU. Depois, fiz um curso livre de Musicoterapia na Universidade Estácio de Sá, em Fortaleza, devidamente certificado.


Dos meus pais tive como apoio, em casa, um quarto, comida e ajuda no pagamento dos estudos. Não é pouco. A eles, minha eterna gratidão pela maior riqueza que deles herdei: Educação. Será também esta a herança dos meus filhos.

Passada essa fase onde fumei e bebi todas (com moderação), arrumei as malas e estava partindo para Curitiba, terra da música, quando a Profa. Glória Caputo, então diretora do Conservatório Carlos Gomes, me indicou para dirigir uma escola de música em Fortaleza, pois eu já dirigia algumas particulares em Belém. Aceitei. Casa, comida, bom salário... lá fui eu, ainda solteiro. A realidade era muito diferente da prometida, mas não desisti. Em Fortaleza concluí a formação em Psicologia, com especialização clínica (Freud, gênio como Bach, Mozart e Beethoven). 2 anos foi o tempo necessário para me ambientar e abrir minha própia escola de música. Casei, nasceram meus filhos, regi diversos corais, fiz trabalhos de gravação, produção etc. que sustentaram a mim e minha família por 15 anos, até o momento em que meus filhos se aproximaram da idade limite para entrar em Conservatórios oficiais na europa, meu verdadeiro sonho.

Dos ENTA em diante:
Que sonho! A quem poderia contar sem ser imediatamente internado em um hospício? Bem, de vez em quando penso que nossos caminhos nesta vida têm algo de misterioso. Por pelo menos dois anos pesquisei, estudei e troquei informações com pessoas e amigos espalhados pelo mundo. Porém, fatos aconteceram em uma sequência impressionante que conduziram ao ponto, como, por exemplo, um maestro italiano que viu o site da minha escola na Internet e me visitou em Fortaleza. Um intercâmbio de informações musicais teve início e se concluiu com minha vinda para a Itália.

No coração de Fortaleza: Praia de Iracema

Outros fatos mais interessantes ainda, que pela inexplicável sequência chamo de "milagres", contarei, se tiver tempo, em um livro.

Vendi nossa casa em fase final de construção, nossos carros e tralhas. Me despedi dos meus alunos e grupos pedindo um prazo de 6 meses de tolerância. Se eu não voltasse nesse tempo, estariam livres para me defenestrar. Parti.

Despedida da família no aeroporto de Fortaleza.
O ratinho na mão da minha filha é um ser vivo.

Teminado o intercâmbio, era hora de voltar, mas eu não queria voltar. Fazer o que em Fortaleza que nem Conservatório tem? Não! A cidade me ofereceu o máximo profissionalmente, sou grato, porém, conhecendo a realidade musical local e chutando longe a modéstia, retribuí muito bem. Quite, era chegado o momento de virar página, encerrar etapa e seguir adiante.

Assim, com mais de 40 anos de idade e dois filhos pequenos, era preciso iniciar DA CAPO. Por sorte, minha companheira tem espírito aventureiro como o meu e topou enfrentar a nova realidade com muito suor e trabalho, cujos detalhes estarão também no livro, pois os primeiros 2 anos em país estranho são trituradores de nervos e vísceras. Sem conhecer absolutamente ninguém, enfrentamos Roma com as nossas economias em Real, que, quando convertidas em Euro, valiam 3x menos na época. Outra sequência de fatos incríveis aconteceram. Enquanto os contatos de religiosos católicos que trouxemos depois de anos de trabalho voluntário em paróquias no Brasil pouco ou nada serviram, encontramos, por absoluto acaso, pessoas certas (algumas sem religião) que nos conduziram pelos caminhos certos. Coincidência? Destino? Sorte? Sei lá! Sei apenas que continuo amando a Igreja, independente dos seres humanos que nela estão inseridos.

Chegada da família em Roma

Passado esse tempo de prova fomos entendendo a dinâmica, o funcionamento da mente nativa e, como é característico do ser humano, ocorreu, no nosso caso, a adaptação.

Ah! E o sonho?! Pois é. Realizado em 2007. Não. Não foi apenas um sonho realizado. Foram vários!

Tudo bem, o primeiro e mais importante foi este pelo qual saí do Brasil, mas nunca contei antes a ninguém. Até mesmo minha mulher só soube quando já estava na Itália. Não queria me divorciar dela como louco varrido, pois ela me conheceu apenas como louco.

 
Meu filho no Coro Cappella Sistina - Vaticano


Mas teve mais. Em menos de 3 anos na Itália, eu e Marta conseguimos o que não conseguimos em mais de 40 no Brasil: emprego a tempo indeterminado com carteira assinada, férias, estabilidade, assistência sanitária e todos os direitos que tornam dignos os seres humanos. Os bens materiais já recuperamos praticamente todos, alguns até de melhor qualidade. No Brasil eu tinha bons trabalhos, mas, como profissional liberal, se não trabalhasse, não comia. Não podia adoecer nunca! Férias? Nem pensar! Não culpo o país. Culpo a mim, que não tive QI (intelectual e político) para focar a vida, pois sempre a vi através das lentes multifocais dos meus óculos. Achei que seria pouco conhecer apenas notas musicais. Gosto de Freud e das técnicas da Psicanálise, dos esquemas CPM-PERT de Administração. Mas precisava estudar tanto para isso? Tenho um saco repleto de diplomas que pouco ou nada serviram para ganhar dinheiro. O melhor de todos, por incrível que pareça, foi e ainda é o de MÚSICO. Verdade! As vezes que me ofereceram trabalho em departamento de RH como Psicólogo, o salário era menor que o de Maestro de Coro e com muito mais horas. Tem lógica. A oferta do primeiro profissional é maior que a demanda. Dou um exemplo. Psicólogo: 8 horas por dia, 5 dias por semana, salário X. Maestro: 2 ensaios por semana com duração de 1 hora e 1/2, salário 2X. Tenho isso registrado na minha carteira de trabalho.

Este ano, entretanto, depois de realizados todos esses sonhos, adoeci. O que houve entre meu cérebro e meu corpo? Me apresentaram a conta de uma vida desregrada? Talvez o primeiro tenha feito a seguinte pergunta: E agora, acabou? O segundo deve ter respondido que sim. Está um pouco velho e cansado. Calma lá! Id, Ego e Superego, vamos reorganizar as coisas. Tenho 47 anos e novos sonhos!

A pergunta final: VALE A PENA SONHAR E TENTAR REALIZAR OS SONHOS? A resposta clichê é: "Sim, claro! Sempre!" A minha é DEPENDE.

1. Eu mudei de país porque tinha documentos em ordem e podia usufruir de todos os direitos como cidadão italiano. Sem isso, recomendo pensar 1000 vezes antes de mudar estrada e território. Como diria Rita Lee, é preciso investir em know-how e apostar no background. Ambos não me fizeram rico, mas facilitaram a realização dos meus sonhos.

2. Para tornar real um sonho, como São Pedro, será necessário caminhar sobre as águas, mas sem perder a fé. A minha foi mística e também no fruto de uma vida de trabalho depositado na conta bancária (poupança). Ambas ajudaram muito!

3. A linha que divide o sonho do pesadelo é tênue. É preciso um belo saco escrotal caso ela se rompa.

Não posso dizer que tive uma vida repleta de grandes emoções. Cada fase que citei é cheia de detalhes que não cabem aqui, mas que pretendo contar caso realmente escreva o livro. Eles sim, fizeram valer a pena cada momento vivido com felicidade que, aliás, cometeria um grande pecado se dissesse que não a conheço. Procurei dividir um pouco em trabalhos voluntários com quem achava que valia a pena, mas acho, hoje, que faltou e falta dividir mais.

Enfim, alguém disse alguma vez, em algum lugar, que ninguém pede para nascer, nem sabe a hora que vai morrer, logo, o importante é aproveitar o intervalo. Isso eu fiz relativamente bem e farei até fechar a cortina.

ITÁLIA: 2006 - 2010