quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

SORTE DOS GRINGOS

João Carlos Martins, Arnaldo Cohen, Nelson Freire, para citar apenas 3 brasileiros vivos e pianistas de fama internacional. É preciso ler a biografia dessas pessoas para entender a grandeza de cada um, os prêmios recebidos, concursos vencidos, as salas de concerto que frequentam como artistas etc.

A Revista Brasileiros, Edição 21, Abril/2009 tem na capa João Carlos Martins. Vou pinçar e comentar aqui alguns trechos interessantes da entrevista.

A SAGA DAS MÃOS
Vida de João Carlos Martins será filme de Hollywood
Muitas pessoas dizem "minha vida dá um filme". A de João Carlos dá, sem dúvida. O curioso é que nenhum produtor ou cineasta brasileiro tenha se interessado por ela até agora.

Já foi realizado um documentário alemão, mas nunca um filme de ficção. Embora Hollywood jamais tenha produzido filme sobre um pianista vivo, ainda mais não-americano, um dos mais importantes músicos americanos de todos os tempos, o lendário Dave Brubeck acha que a vida de João Carlos Martins merece Hollywood e vice-versa. Ele, que está com 89 anos e vai se apresentar no fim do ano ao lado de João Carlos na Sala São Paulo, escreveu uma carta, em 14 de outubro de 2008, a um amigo, o ator e diretor Clint Eastwood, recomendando a transformação em filme da biografia A Saga das Mãos.

Dave, que é amigo de João Carlos há 40 anos, apresenta-o como "o maior pianista brasileiro, que no auge da carreira foi considerado comparável a Glenn Gould por suas ímpares interpretações de Bach". Define ainda João Carlos como "uma personalidade maior-que-a-vida", cuja trajetória humana e musical tem todos os ingredientes de um bom drama cinematográfico. Não se sabe se Clint vai aceitar a empreitada, mas há outros dois ou três diretores cogitados, todos do primeiro time. Com seu inabalável e saudável otimismo, João Carlos garante: "O filme vai sair!"

É duro ver João Carlos Martins passar do Carnegie Hall para o auditório do Faustão. Eu diria mesmo... patético. Mas aconteceu.

Ele teve um momento complicado quando se envolveu com Paulo Maluf. Mais triste ainda é saber o que motivou tudo isso. Ele conta na entrevista. É racional um país pagar milhões de dólares a jogadores de futebol analfabetos enquanto artistas como esses precisam esmolar 4.000 dólares a políticos?

Brasileiros - Como entra o Paulo Maluf nesta história?
J.C.M. - Em 1980, eu não o conhecia. Arthur Moreira Lima me telefona de Israel e fala:
- João, eu me separei agora e vou continuar minha carreira no exterior. Mas eu preciso ter um emprego fixo. Dizem que o cara que assumiu o governo aí, o Maluf, toca piano, João. Será que você arrumava pra mim...
Eu perguntei de quanto ele precisava por mês. Quatro mil dólares, ele me disse. O Arthur falou que poderia fazer programas para a TV Cultura e apresentar-se em cidades do interior para justificar o salário. Eu respondi pra ele que ia procurar o cara. Telefonei e avisei que eu queria falar com o Paulo Maluf. Meia hora depois, me telefona a secretária: "Doutor Paulo mandou marcar hora com o senhor". E lá fui eu.
- Governador, eu estou aqui numa missão por causa de um amigo meu. Quero lhe avisar de antemão que esse meu amigo é esquerda brava.
Contei a história do Arthur e ele falou para o assessor: "Conheço muito este Arthur. Pode contratá-lo". Eu falei: "Em nome do Arthur eu agradeço". Aí eu fui saindo e, quando cheguei na porta, arrisquei: "Governador, não dá pra arrumar essa boca pra mim também?". E eu fiquei os quatro anos do governo dele na TV Cultura.

Dá pra acreditar? Bem, melhor ler a entrevista completa. É uma leitura difícil de interromper, pois o cara é mesmo fenomenal e a vida um filme emocionante.

Arnaldo Cohen. Tive a honra e o privilégio de fazer “master class” com ele pela Funarte nos meus tempos como aluno do Conservatório Carlos Gomes. Aqui vai um pouquinho da biografia deste brasileiro.

Após viver mais de vinte anos em Londres, Cohen transferiu-se para os Estados Unidos em 2004, tornando-se assim o primeiro músico brasileiro a assumir uma cátedra vitalícia na Escola de Música da Universidade de Indiana. Na Inglaterra, Cohen lecionou na Royal Academy of Music e no Royal Northern College of Music, onde recebeu o título de Fellow Honoris Causa. Foi condecorado pelo governo brasileiro com a Ordem do Rio Branco por seus servicos prestados ao país na área cultural.

Além de grande músico, é também um bem humorado cronista. Vale a pena ler os Artigos disponíveis no site. As “Cartas de Londres” são ótimas! Um trechinho:

Belmira, sei que não devo ligar para a crítica. Aliás, sua última carta estava muito divertida. Ri muito com a definição de crítico, "aquele perneta que ensina um atleta a correr mais rápido". Você conhece a resposta deles? "Para criticar um omelete, você não tem de ser, necessariamente, capaz de botar um ovo". Não é ótima? Você sabia que Brahms, traumatizado pela crítica negativa de seu primeiro concerto para piano e orquestra, levou vinte anos para escrever o segundo concerto? Imagine, Belmira, se não fosse por esse cretino, poderíamos ter, talvez, em vez de dois, cinco concertos para piano e orquestra. Definitivamente, o código penal precisa ser revisto.

Nelson Freire já é filme. Tem que assistir.

Por quais motivos esses músicos não estão fazendo música no Brasil? Não sei. Mas imagino que o fator “cachê” possa ser um deles. Entre as justificativas para a queda de John Neschling da frente da OSESP estava o salário de mais ou menos R$ 110 mil mensais. Algo em torno de 35 mil Euros. Mas essa gente sabe quanto ganham os Ronaldos da vida? Tá. O país é pobre, não pode pagar, tem outras prioridades, tem gente morrendo de fome e blablablá. Ok! Mas os que falam essas bobagens sabem quanto estuda um Maestro? Sabem quanto ganham as Xuxas, as baianadas Sangalos e Chicletes e outras maravilhas da cultura popular? Sabem que São Paulo tem mais heliporto que Nova York? Que Brasília tem palácios, castelos e praias privadas? Ah, Brasil... quando serás de todos os brasileiros? O país não é pobre, não senhor! Precisa distribuir melhor a riqueza e isso todo mundo sabe.

Fico feliz quando leio protestos contra esse montão de bolsa-não-sei-lá-o-quê distribuídas pelo governo Lula que, segundo alguns, incentiva a preguiça. Não é bem assim. Apenas não incentiva o trabalho escravo. Quer que o Zezinho trabalhe pra você? Então pague mais e melhor que a bolsa que ele recebe, ou ele vai ficar mesmo se embalando na rede, tomando açaí. Não sou eleitor do Lula, mas confesso que gosto de ver essa mudança no Brasil. Sabe quanto custa uma empregada doméstica na Itália? Mais ou menos 1.000,00 euros mensais. Não pode pagar? Levante o traseiro e faça você mesmo! Assim deve ser. Dignidade.

Voltando aos músicos. Eu citei apenas 3, mas são muitos os talentos brasileiros espalhados pelo mundo e que o Brasil praticamente desconhece. Como o café e tudo de bom que o Brasil produz, para os brasileiros só fica a borra. Azar nosso.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

FELIZ NATAL MUSICAL!



Nesta época do ano é muito comum, no Brasil, ouvir corais cantando pelas ruas, praças e centros comerciais. Considero particularmente interessante certos aspectos desse tipo de manifestação artística e apresento aos meus grupos algumas observações que reproduzo aqui. Antes, porém, um pouco sobre a figura do regente.

No futuro talvez seja diferente, porém, nos dias atuais, quem rege, para alcançar um resultado, depende de pessoas, de gente com pensamento e vontade própria. Um grande desafio.

O artista plástico, para pintar um quadro, usa pincel e tinta. Instrumentos sem cérebro. Nunca o roxo vai questionar se o artista preferir azul ou vermelho. O pincel nunca terá problemas familiares e faltará a uma semana de ensaio. Já o regente, para finalizar uma obra, precisa da boa vontade, da colaboração de um grupo complexo que deve ser liderado, administrado e conduzido de forma harmoniosa para um resultado final. Não é fácil.

Nesse contexto, alguns maestros são conhecidos como tiranos, ditadores, autoritários e prepotentes, enquanto outros são bonzinhos, democráticos, liberais etc. No “Ensaio de Orquestra”, de Fellini, tal figura chega a ser substituída por um grande metrônomo. Nunca me importei se um regente é isto ou aquilo, mas sim com o som que ele produz, não me interessa como, afinal, para qualquer lider será sempre muito difícil escapar da vontade da horda de “matar o pai, tomar seu lugar e tripudiar sobre seu cadáver, no melhor estilo edipiano.”

Na minha caminhada diante de grupos corais, tentei ser um misto de ambos os tipos. Democratizava o que era possível e tiranizava o impossível. Assim, dividia tarefas administrativas, fazia eleição para chefes de naipe, coordenadores, tesoureiros etc. Porém, quando se tratava de música, a palavra pertencia só a mim e mais ninguém, pois quando um coro faz bonito, todo o grupo recebe elogio, mas quando vai mal, a única informação que pedem os ouvintes é: “Qual o nome do maestro?” Vale a assinatura no quadro. E sempre assinei o que produzo, mal ou bem. Com alguns grupos convivi pacificamente por décadas. Com outros, o divórcio foi inevitável.

Ninguém é obrigado a participar, mas, ao integrar um coral, o coralista deve confiar, estar ciente e concordar em ceder sua voz como instrumento de trabalho do regente. Essa relação implica respeito recíproco. Quando isso não ocorre, o atrito é fatal. No meu caso, sempre priorizei a música. A minha música. O resto era lucro ou prejuízo.

Pensei esta introdução para ajudar a esclarecer um pouco mais o que pretendo escrever sobre o repertório de Natal, período capaz de mexer com a emoção das pessoas. Tem gente que se deprime, sente saudade, chora. Conheço quem, no dia 24, toma remédio para dormir profundamente e, se possível, acordar só no dia 26. Tem gente que se alegra, confraterniza com amigos e familiares, brinda o aniversariante, enfim, tem de tudo. Mas... e a trilha sonora? Chegamos ao ponto: maestro + coralistas + repertório = NATAL. Natal?

Sugiro parar e observar o próximo coral, principalmente em palco de shopping center, como canta esta música:

Anoiteceu, o sino gemeu
E a gente ficou feliz a rezar
Papai Noel, se você tem
A felicidade pra você me dar

Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
E assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel

Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem.

Além do Português sofrível, é quase certo que o grupo cantará essa música de maneira alegre, talvez até dançando e com um enorme sorriso no rosto. O ritmo é animado! Mas... e a letra? Deprimente. Para o autor, Assis Valente, “felicidade é brinquedo que não tem” e, provavelmente por esse motivo, cometeu suicidio. Morreu como o Papai Noel da poesia na qual é figura principal. O aniversariante da data nem citado é.

E esta, que considero uma das melhores adaptações de música estrangeira natalina para o idioma Português, como será que o coral em cena irá cantar?

Noite feliz, noite feliz
Ó senhor, Deus de amor
Pobrezinho nasceu em Belém
Eis na lapa Jesus, nosso bem
Dorme em paz, ó Jesus
Dorme em paz, ó Jesus

Noite feliz, noite feliz
Ó Jesus, Deus da luz
Quão afável é teu coração
Que quiseste nascer nosso irmão
E a nós todos salvar
E a nós todos salvar

Noite feliz, noite feliz
Eis que no ar vêm cantar
Aos pastores os anjos do céu
Anunciando a chegada de Deus
De Jesus, salvador
De Jesus, salvador

Na parte que diz Dorme em paz..., o volume e a forma cantada permitirão um sono tranquilo a uma criança que acabou de nascer? Que dizer da expressão facial? Noite Feliz... todo mundo triste ou, de fato, feliz?

A primeira música nunca fará parte do meu repertório. A segunda, podem fazer em ritmo de samba, jazz, baião, como quiserem, mas coral sob minha regência cantará de forma serena e feliz, como um acalanto. Dois exemplos para duas situações invertidas: Letra triste com ritmo alegre e letra alegre com ritmo lento. Se não prestar atenção na letra, será grande o risco de rir na desgraça e chorar na alegria.

Tem outros casos interessantes, como “os pinheiros brancos de neve” do Piauí ou de Belém, que não cabem aqui. Tudo bem. Sem radicalismos. Usemos a imaginação e pensemos longe... lá, onde a neve cai...

Finalizo com o video abaixo - que considero a melhor interpretação - desejando que todos possam compor uma bonita e adequada trilha sonora para festejar o nascimento de JESUS CRISTO, personagem central, verdadeiro e único merecedor de louvor e honra nesta data. O pagão, bonachão e coadjuvante Papai Noel não morreu e certamente trará o brinquedo “felicidade” para quem nela acredita.

FELIZ NATAL!