quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A CIGARRA


A Formiga trabalha todo o verão para ter casa quentinha e comida no inverno. A Cigarra, na fábula, apenas canta e se diverte. Quando chega o inverno, o frio e a fome, procura a Formiga que no final da conversa diz: “Cantavas? Agora dança!”. E bate a porta na cara da Cigarra. Assim termina a história e ficamos sem saber o que acontece com a Cigarra.

Eu sempre inventava um final diferente quando contava para meus filhos. Um deles era que, naquele inverno, morriam as duas: A Cigarra de frio e fome e a Formiga de um piripaque de tanto trabalhar. Outro era que a Cigarra conseguia sobreviver mas, no verão seguinte, estava novamente no parque, cantando, tocando e se divertindo enquanto a Formiga se acabava trabalhando e perdendo o espetáculo da natureza. Como dizia meu professor de Contabilidade, para cada Débito existe um Crédito. Também na vida.

Quando inicia a primavera em Roma as Cigarras invadem a cidade. Felizmente essas aprenderam a colocar o chapéu na praça ou na calçada para receber as moedas que chovem de acordo com o talento e o repertório de cada uma. Quando chega o outono elas começam a desaparecer, mas provavelmente conseguirão atravessar o inverno tão bem quanto a Formiga ou até melhor!

As Cigarras são do parque, da rua, da calçada. Valem o quanto ganham diretamente do público. Não se adaptam a esquemas nem sistemas. Talvez pudessem estar cantando e tocando nos salões, nas festas, nos bares e navios, mas surgiu a figura do Gafanhoto DJ que resolve tudo sozinho usando o som gravado pelas Cigarras e inventando outros. Igrejas e eventos foram tomados pelos Carapanãs programadores de sintetizadores e computadores com falsas vozes corrigidas eletronicamente.

As Cigarras que não gostam da estrada devem se especializar e conquistar lugar nas grandes companhias, orquestras, óperas, musicais e bandas onde nem tudo é paz, sombra e água fresca, como bem retratou Fellini no seu “Ensaio de Orquestra”.

Interessante que a maioria das Formigas associa a Cigarra a um ser miserável e sem sorte. Nem todas. Algumas Cigarras conseguem ganhar tanto ou mais dinheiro que muitas Formigas, mas a alma... ah, essa será sempre de Cigarra, “sem relógio e sem patrão”, livre, anárquica, cigana, sufocada e reprimida às vezes pelas circunstâncias, mas sempre latente.

Quando a Cigarra envelhece, como a maioria pouco se importa com o dia de amanhã, vem encostada em um asilo qualquer e abandonada ao destino. Quando morre, é enterrada em vala comum enquanto as Formigas se refestelam com a herança artística produzida durante toda uma vida cujo reconhecimento, se vier, chegará quando a Cigarra tiver virado pó. Poucas escapam deste final.

E a Formiga? Dizia uma Cigarra maluco-beleza que...

A FORMIGA SÓ TRABALHA PORQUE NÃO SABE CANTAR.

FIM

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