domingo, 24 de fevereiro de 2008

A MÚSICA NA IGREJA

Santa Cecília

Trabalhando há muitos anos com corais, percebi, dentro da Igreja Católica, pontos interessantes relacionados com a música litúrgica e que chamaram minha atenção, forçando a realização destas anotações cujo único objetivo é incitar os dirigentes de coro, coralistas, religiosos, leigos e fiéis para o aprofundamento do tema e percepção da real importância da música no culto católico, para que essas pessoas, de fato, se questionem sobre o direcionamento de seus trabalhos ou simplesmente sobre as músicas que escutam e cantam em suas paróquias.

O que estou escrevendo não passou pela aprovação de nenhuma autoridade eclesiástica por um motivo simples: um dos grandes tesouros da Igreja Católica é a unidade na diversidade, ou seja, ela é única, ainda que sob seu manto cantem os Monges Beneditinos e a Renovação Carismática. Assim sendo, jamais poderei agradar a todos. Então, apenas escrevo como músico e cristão, católico, que resolveu aprofundar um pouco mais os estudos sobre música e liturgia. Se meus rabiscos estiverem de acordo com a vontade de Deus, certamente encontrarão guarida em alguns corações. Caso contrário, esquecidos ficarão pelos cantos da vida.

Para iniciar, transcrevo abaixo um texto que ganhei certa vez. Não sei quem é o(a) autor(a), pois na minha cópia esqueceram de citar o nome da obra e quem a escreveu. Já tentei encontrar esses dados, mas, até o momento, não consegui. Minha pesquisa continua e espero em uma próxima edição fornecer com exatidão a fonte. Talvez, em função disso, surja o questionamento de como posso elaborar um trabalho com base em escritos que talvez sejam “apócrifos”. Ora, o fato de, por enquanto, não ser possível citar a fonte, não tem muita importância, pois, se o texto não existisse, ainda assim minhas idéias seriam expostas pelo que aprendi com a prática dentro da própria Igreja e que, por coincidência, estão de acordo com o texto que escolhi. Vejamos:

REFLEXÃO SOBRE A MÚSICA NA LITURGIA

"Como as demais artes, também da música a Igreja se serve para abrilhantar o culto divino. A música é um dos meios mais dignos de se louvar a Deus, pois, por ser uma arte, ela procura inspirar-se na fonte de tudo que é belo e perfeito. Para ser admitida no serviço de Deus, a música deve tornar-se digna desta grandiosa vocação. Para Deus, só o melhor; para o culto divino, só o que há de mais perfeito. Existe uma música profana, uma música religiosa e uma música sacra. A primeira é arte do mundo, mais ou menos artística, destinada a deliciar os ouvidos e abrilhantar as festividades do mundo. É a música que se ouve nos teatros, nos concertos, nas festas profanas e em lugares de divertimentos. Esta espécie de música não serve para o culto divino e dele está excluída por princípio. Há ainda a música religiosa, que é bem diferente da primeira já mencionada. É uma música mais suave, que mais ou menos traduz os enlevos religiosos e os da alma; são composições que objetivam assuntos religiosos. Esta espécie de música dispõe dos recursos e dos meios de expressão da música profana, e dela tira o que precisa para exprimir o colorido do caráter que lhe é próprio. Há músicas religiosas que podem ser admitidas nas igrejas, o que depende do exame consciencioso de alguém que seja competente nesta matéria. A música sacra é a música própria da Igreja, a música litúrgica oficialmente aprovada e autêntica. A Igreja faz questão de ver observadas suas determinações relativas à música sacra; e grande é a responsabilidade das autoridades eclesiásticas neste particular. A música na Igreja não deve visar outra coisa senão a glória de Deus e a edificação dos fiéis. Admitir músicas profanas e indignas no culto divino é pecado, por ser uma profanação do templo de Deus e um escândalo para os fiéis. Aqueles que devem interessar-se mais de perto pela música sacra, não podem deixar de ler e estudar o Motu Proprio, de Pio X, sobre a música sacra, documento de alto valor, que é considerado o código musical da Igreja Católica."

Com o meu trabalho dentro das igrejas, percebi uma certa confusão. As pessoas hoje, até com o consentimento de alguns Padres, estão misturando tudo: música profana, religiosa e sacra. Ninguém sabe mais o que é cada uma e assim o profano se mistura com o sagrado de maneira lamentável.

O texto diz: “Para ser admitida no serviço de Deus, a música deve tornar-se digna desta grandiosa vocação. Para Deus, só o melhor; para o culto divino, só o que há de mais perfeito”. Alguém discorda? Dificilmente. Mas também poucos se negam a cantar músicas de Português sofrível e que fazem parte do repertório mundano. A intenção primeira do autor foi mesmo louvar a Deus ou vender milhões de discos? Precisamos pensar. Algumas dessas músicas estão no “Louvemos ao Senhor”, um tipo de hinário católico. Tocam nas igrejas, tocam nos botecos, tocam em qualquer lugar. E aí? Eu não estou dando respostas nem afirmando nada. Quero apenas questionar. Que cada um pare, pense, reflita e tire suas próprias conclusões.

Transcrevo, agora, algumas observações pessoais.

Nas Missas, poucos são os Padres e grupos de canto que escolhem o repertório de acordo com a liturgia. Essa teoria que prega o fim do coro (aquele lugar suspenso atrás dos templos, onde os corais cantavam) para que o povo participe mais da Missa, hoje, merece ser questionada, afinal, algumas igrejas só faltam colocar seus grupos de canto em cima do altar, com músicas e instrumentos musicais modernos e, ainda assim, os fiéis continuam indiferentes, apáticos, calados. A boa música religiosa não tem culpa do fracasso de ninguém. Se a Missa, por vezes, é um tédio, então, que os seminários formem melhor os Padres, pois muitos não sabem nem falar nem transmitir e explicar com clareza a palavra de Deus, quanto menos orientar o grupo de canto para bem realizar a função a qual se destina.

No mosteiro de São Bento, no bairro de Messejana, em Fortaleza, as Missas são todas acompanhadas por cantos gregorianos, em Latim, e a capela dos monges vive lotada de gente simples, sem muita formação musical. Essas pessoas não entendem nada? Certamente entendem mais as músicas em Latim do que algumas do jornalzinho “O Domingo” que, por vezes, não conseguem passar do teto das igrejas, muito menos chegar aos ouvidos de Deus. Querem que a assembléia cante? Publiquem e usem um hinário. É muito simples. Enquanto persistir essa troca constante de músicas no jornalzinho para ajudar na venda de impressos e CD’s, o povo continuará calado, indiferente ao estilo popular que esteja sendo introduzido em seus ouvidos, pois, como diz o texto, “admitir músicas profanas e indignas no culto divino é pecado, por ser uma profanação do templo de Deus e um escândalo para os fiéis”.

Muitos grupos de canto, hoje, se posicionam tão perto do altar que contribuem para desviar a atenção dos fiéis. Ao invés de concentrar a atenção no Cristo, no Padre, no altar, as pessoas ficam olhando um desfile de vaidade de músicos que, muitas vezes, usam as igrejas para vender seus trabalhos extensivos a casamentos, aniversários e demais cerimônias festivas.

Que os corais e grupos de canto não fiquem mais no “coro”, tudo bem, mas eles precisam entender que o anonimato valoriza mais o trabalho musical na Igreja. Podemos refletir essa questão, lendo Mateus 6,1: “Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus”.

Na Catedral de St. Patrick, em New York, até hoje, o Coral canta atrás, no fundo da igreja. E, por mais lindo que seja o que cantam, ninguém sabe quem é o dono da voz maravilhosa que fez um solo ou coisa parecida. Não no momento da Missa.

E quanto aos ritmos? Compor uma música religiosa em ritmo de forró vai agradar mais os fiéis nordestinos? Em ritmo de fandango agradará mais os gaúchos? Que tal se ao invés disso os compositores se preocupassem mais em agradar a Deus? Certamente, agradando a Deus, tocarão o coração dos fiéis que cantarão as músicas sem se importar com o ritmo escolhido. Sim, pois existem músicas “inspiradas” e “inventadas”. A grande diferença se faz sentir na voz do povo que, livremente, prefere cantar as primeiras.

Imagine uma festa de carnaval com uma orquestra tocando violinos. Parece bobagem, mas cada instrumento, cada timbre, tem uma cor especial que combina com determinado local ou evento. Assim, é melhor não subestimar o som do órgão (church organ) em uma cerimônia religiosa. Ele ainda é um importante recurso de elevação do espírito.

Atualmente estão reduzindo a importância da gramática a nada. Letras escritas de qualquer jeito, sem forma, sem rima, sem métrica e, pior, sem mensagem alguma, estão sendo empurradas nos ouvidos de quem tenta louvar a Deus cantando.

Existem paróquias com quase uma centena de pastorais! No entanto, entre esses números, não existe uma pastoral do canto. Como pode isso se a Missa é quase toda MÚSICA? Esse fato mostra bem a importância que essas paróquias dão ao canto litúrgico e explica, até certo ponto, o rumo das coisas. Nelas, a música é apenas “fundo”. Nada mais que isso.

Simplesmente alguns regentes, corais e grupos de canto ignoram coisas simples da música litúrgica como por exemplo: O ATO PENITENCIAL deve cantar SENHOR, CRISTO, SENHOR (Kyrie, Christe, Kyrie).

O GLÓRIA, embora cristológico, faz alusão à Trindade. Se assim não for, sob o ponto de vista litúrgico, a música não serve. Aquele “Glória” cuja letra diz: “Glória pra sempre ao Cordeiro de Deus, a Jesus, o Senhor, ao Leão de Judá...” não deve ser cantado em uma Missa. Pode ser cantado em um louvor ou adoração, mas não durante o “Glória” em uma Missa.

Vamos comentar todos os cânticos na ordem em que aparecem em uma Missa comum.

1. CANTO DE ENTRADA – Deve ser, sempre que possível, alegre. Um convide à adoração, ao louvor, ao culto.
2. ATO PENITENCIAL – Deve ser cantado com suavidade, com humildade. Não se pede perdão gritando, mas sim, implorando de todo o coração.
3. GLÓRIA – Barulho não significa alegria. Alguns grupos pensam que colocando pandeiro, bateria, cavaquinho, estarão sendo alegres. Nem sempre. A alegria vem de dentro e deve acontecer quando se canta aqui. Cuidado com músicas que não conseguem encaixar a proparoxítona ESPÍRITO e acabam martelando um ESPIRÍTO ou ESPIRITÚ. Estão inventando, no final, dar Glória à Trindade Santa. Por favor, não cometa esse sacrilégio!
4. SALMO – Deve ser cantado sempre. Se não todo, pelo menos o refrão, com uma “salmodia” simples que possa ser cantada pela assembléia.
5. ACLAMAÇÃO – Você já percebeu alguns cânticos que trazem “Aleluiá”? Que triste! Aclame o evangelho cantando ALELUIA!!! Nunca ALELUIÁ!
6. OFERTÓRIO – Dê preferência a um cântico que esteja de acordo com o momento litúrgico.
7. SANTO – O completo tem Santo, Hosana, Bendito.
8. PAZ – Um canto breve e fraterno.
9. Na hora da consagração não invente nada. Não tem música, nem som, nem ruído aqui.
10. Depois tem o “Amém”. Se possível, cante.
11. COMUNHÃO – Nada de barulho. Tente fazer com que as pessoas possam se encontrar com Deus dentro delas. A viagem deve ser pra dentro. Suavidade, mensagem, conteúdo.
12. AÇÃO DE GRAÇAS – Normalmente, durante este cântico, as pessoas que comungaram ainda estão contritas, em oração. Pense nisso e não as desconcentre, mas contribua, com sua música, para que a oração delas seja mais inspirada. Se quiser e puder, substitua a música pelo mais absoluto silêncio.
13. CANTO FINAL – Alegre, por favor! As pessoas devem sair da igreja com vontade de viver e não de morrer na esquina! Fé, confiança, segurança, alegria! Isso deve ter um bom canto final. Aliás, você sabe o que significa a palavra “MISSA”? Assim diz o Dicionário Aurélio: Verbete: missa [Do lat. tardio missa, f. substantivada do lat. mittere, 'enviar', da fórmula final do ofício religioso: ite missa est.]

Durante uma Missa comum, converse com o Padre sobre onde e como encaixar um canto sobre Maria ou outro Santo qualquer.

Algumas pessoas não se preocupam em ler totalmente a letra de uma música e assim vão encaixando absurdos que não têm nada a ver com nada. Exemplo: “Sobe a Jerusalém” no Natal. A música traz a palavra “Natal” e as pessoas cantam no Natal. Se lessem refletindo o resto da letra, perceberiam que diz “quando Deus morrer” etc. Ora, Ele acabou de nascer e já estão falando na morte? Uma Missa de Natal deve louvar a Jesus Cristo em toda sua plenitude! Deve fazer referência ao plano de salvação de Deus, ao resgate do homem pecador, enfim, deve ser uma Missa de louvor! Alegre! Festiva!

Durante alguns períodos litúrgicos, algumas músicas não devem ser cantadas. Por exemplo: Glória, no Advento. Nesse tempo, se a Missa for festiva, é melhor conversar com o Padre.

Antes de cantar uma música, reflita no que diz a letra. Tem quem diga não ser importante estar ou não a letra correta gramaticalmente, pois o que importa é a mensagem. Não é verdade! Uma letra com erros grosseiros de Português contribui para deteriorar o idioma, patrimônio cultural de um povo. Não seja cúmplice. Dê preferência para músicas bem escritas e cujas mensagens estejam de acordo com a liturgia.

Em cerimônias religiosas como casamento, aniversário, formatura etc., alguns “católicos”, que só freqüentam a Igreja nessas ocasiões, solicitam aos responsáveis pelo canto, músicas populares, de cinema, de televisão, de novela, enfim. Cabe a você, que faz do seu trabalho musical um instrumento de evangelização, mostrar a essas pessoas que, apenas no hinário “Louvemos”, existem mais de 1000 (mil) músicas apropriadas para qualquer tipo de cerimônia sendo, inclusive, na maioria das vezes, mais bonitas do que muitas dessas músicas mundanas solicitadas. Resumindo: faça tudo que for possível para não cantar música popular dentro do templo. Hoje existem profissionais cobrando verdadeiras fábulas para profanar os ouvidos de Deus com operetas populares. E o pior é que encontram quem pague por essa blasfêmia. A mesma música que toca no bordel e na ópera bufa é tocada dentro da igreja. Existe bom senso nisso?

Que Santa Cecília, a padroeira da Música e dos Músicos, nos inspire, cada vez mais, a louvar melhor a Deus com nossa Arte. Amém!

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