sábado, 16 de janeiro de 2010

A EMOÇÃO TEM RAZÃO

Um dia, conversando com uma amiga que muito admiro, falamos sobre concertos de música erudita ao ar livre. Ela me dizia da alegria de ter assistido um em Belém e visto pessoas em lágrimas, emocionadas com o que ouviam. Eu ponderei que mais feliz eu ficaria se, além de ouvir com o coração, essas pessoas também ouvissem com o cérebro. Não sei se ela, ao final, concordou comigo, pois é sempre muito discreta, mas pelo menos permitiu que eu me explicasse.

Certa vez, visitando na companhia de uma outra amiga, esta americana, uma daquelas galerias de arte que existem ao lado do Teatro da Paz, em Belém, vimos uma mostra fotográfica. Parando diante de algumas fotos, minha amiga comentava detalhes como “sombra”, “luz”, “ângulo”, “contraste”, “cor” etc. Impressionado, perguntei se ela tinha feito algum curso de fotografia. - Não. Aprendi na escola quando fazia o 2º grau. Foi a resposta.

O que parecia uma simples foto. continha, na verdade, uma infinidade de detalhes técnicos responsáveis pelo resultado final, visíveis apenas para os iniciados.

A escola de música na qual eu trabalhava em Fortaleza era perto do Mausoléu Castelo Branco, na Av. Barão de Studart. Não poucas vezes fiquei ali admirando e pensando como aquele prédio flutuava no ar. Um dia, um colega me explicou com palavras simples que, enterrada no chão, existe uma estrutura, quase do mesmo tamanho da estrutura externa, que equlibra forças e permite o efeito visual. É provável que não seja exata tal informação, mas imagino o que deve sentir um engenheiro ou arquiteto ao ler esta explicação técnica e, diante do monumento, entender exatamente como a obra foi realizada.

O mesmo estupor se abate em mim quando contemplo as cúpulas da Basílica de São Pedro e do Pantheon, em Roma.


Não é preciso ser engenheiro ou arquiteto para se emocionar diante de tais monumentos, mas certamente esses profissionais, além da emoção, compreendem as estruturas, os fundamentos, as bases que as sustentam.

Voltando para a música, é certo que muito do que hoje soa nas salas de concerto, no passado era tocado nas festas, nos bailes, nos salões, ou seja, era música de divertimento. Como também foi o Jazz. Entretanto, ambos os gêneros têm estruturas, fundamentos e bases.

Embora música seja pura emoção, reconhecer, por exemplo, um acorde de 5a. aumentada, escalas em movimentos contrários, uma cadência plagal ou interrompida, uma mudança de tonalidade, dinâmica, trimbres e tantos outros detalhes da estrutura de uma obra musical, dá razão à emoção. A pergunta vem expontânea: E que diferença isso faz na vida das pessoas? Penso que sirva apenas como mais um exercício daquilo que a Gestalt chama de “figura e fundo”. “Na subjetividade da percepção a escolha pode ser consciente ou inconsciente do que para aquela pessoa aparece como figura ou fundo.”

(cálice ou 2 pessoas?)


Panis et circenses. Figura ou fundo?

Parece que agora a matéria “Música” é obrigatória nas escolas públicas brasileiras. O mais importante nisso não é apenas o eventual surgimento e revelação de novos talentos musicais, mas, principalmente, a formação de platéia culta e exigente. Se tudo andar bem, é provável que em um futuro próximo os concertos no Brasil, em teatros ou parques, sejam realizados para multidões capazes de se emocionar compreendendo a linguagem musical e, sendo otimista, muitas outras, afinal...

A gente não quer só comida,
a gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
a gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
a gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
a gente quer a vida como a vida quer.
(Titãs)

A vida que me ensinaram como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro, familia, filhos e tal
Era tudo tão perfeito se tudo fosse só isso
Mas isso é menos do que tudo, é menos do que eu preciso.
(Kid Abelha)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

DISSONÂNCIA

A briga é feia quando, em música, se tenta definir “dissonância”. Para resumir e tentar escapar de uma polêmica infinita, me serve apenas que dissonância é o oposto de consonância, esta última entendida como “concordância” e aquela como “discordância” conforme as muitas definições para ambas. Basta. Feio x bonito, agradável x desagradável, tensão x repouso etc., não vêm ao caso. São conceitos musicais subjetivos e relativos. Dependem do tempo (período), do contexto, da cultura, do ouvido e do coração.

Uma nota dissonante é aquela que diz “alô! tô aqui!”, ferindo a (nem sempre) burra unanimidade.

Existe uma outra dissonância, certa vez citada por um Presidente brasileiro que costumava pintar o cabelo de azul-higienópolis (bairro paulista). Nos livros acadêmicos recebe definições enormes, profundas, prolixas. Como meus rabiscos são publicados apenas no meu blog, lido por meia dúzia de gatos pinguços e alguns amigos e amigas caridosos, passo do academicismo para a psicologia de boteco, pedindo desculpas aos eventuais leitores do Portal de Óbidos, único reverberante. Bem que avisei ao caro Luiz Arthur quando me convidou como colaborador, mas ele me honrou com o espaço e agora... agora vai!

Dissonância Cognitiva. Gosto dela!!!

A teoria da dissonância cognitiva prega que cognições contradizentes servem como estímulos para a mente obter ou inventar novos pensamentos ou crenças, ou modificar crenças pré-existentes, de forma a reduzir a quantidade de dissonância (conflito) entre as cognições.

Impossível aprofundar a Teoria de Leon Festinger aqui, mas podemos dar uma pincelada superficial com a fábula de Esopo, reescrita por Jean de La Fontaine, A Raposa e as Uvas.

Com pequenas variações, é basicamente a história de uma raposa que tenta, sem sucesso, comer um cacho de convidativas uvas penduradas em uma vinha alta. Não conseguindo, afasta-se, dizendo que as uvas estariam verdes.

Moral:
* Aqueles que são incapazes de atingir uma meta tendem a denegri-la, para diminuir o peso de seu insucesso.

Eu queria uma Ferrari na minha garagem, mas tenho uma velha Peugeot. Pra que me serve uma Ferrari se não tem mala grande como minha Peugeot que me permite viajar com toda a família? Pois é. Com esse tipo de pensamento diminuo minha dissonância e entro em harmonia comigo mesmo. Uma ova!!!

Este ano vamos ser notas dissonantes que se fazem ouvir, comer os cachos de uva e comprar Ferrari (nem que seja de plástico!).

FELIZ 2010!